terça-feira, 2 de setembro de 2025

Ninrode: O Enigma do Primeiro Rei da Terra - Nº2

 

O Adversário de Deus: Lendas e Tradições de Rebelião

A Rebelião de Babel: A Lenda que a Bíblia Não Conta

Uma das características mais notáveis da figura de Ninrode é a expansão de sua história além das poucas menções bíblicas. Embora o livro de Gênesis não associe explicitamente Ninrode à construção da Torre de Babel, as tradições judaicas e cristãs o colocam como o líder e principal instigador do projeto. A razão para essa associação é a proximidade textual entre a descrição de seu reino em Gênesis 10, que começa com Babel, e a narrativa da Torre em Gênesis 11.  

O historiador judeu Flávio Josefo, em sua obra Antiguidades Judaicas, fornece a versão mais detalhada e influente dessa lenda. Segundo Josefo, Ninrode era um tirano que instigava o povo a desafiar a Deus por meio da construção da torre. Sua motivação não era apenas o orgulho, mas também o desejo de se vingar de Deus pela destruição de seus antepassados no dilúvio, caso Ele decidisse inundar a terra novamente. Josefo o retrata como um líder que buscava afastar os homens do temor a Deus, persuadindo-os a depender apenas de seu próprio poder.  

A narrativa de Josefo adiciona uma camada de significado à história. A torre, que deveria ser um símbolo de poder e unidade, torna-se um instrumento de escravização humana. A ordem divina, após o dilúvio, era que a humanidade se espalhasse e povoasse a terra (Gênesis 9:1), mas a construção da torre foi uma recusa deliberada a esse mandamento. Ao centralizar o povo em uma única cidade e forçá-lo a depender exclusivamente do poder de Ninrode, o projeto da torre se transforma em um símbolo da perda da liberdade em favor de uma autoridade humana tirânica.  

Ninrode e Abraão: O Conflito entre o Poder e a Fé

A tradição judaica, especialmente em textos como o Midrash e os Targuns, leva a narrativa de Ninrode a um novo nível ao transformá-lo no grande antagonista do jovem Abraão. A lenda descreve um confronto dramático no qual Abraão, um monoteísta em uma sociedade idólatra, se recusa a adorar os ídolos promovidos por Ninrode. Como punição por sua recusa, Ninrode ordena que Abraão seja lançado em uma fornalha ardente, em um episódio que ecoa a história de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego no livro de Daniel.  

O relato culmina com o milagre: Abraão é salvo das chamas, enquanto seu irmão Harã morre no fogo por não ter a mesma fé inabalável. Essa história, embora não encontrada na Bíblia, é um pilar da tradição judaica e serve como uma poderosa narrativa polemista. Ela estabelece um confronto arquetípico entre o poder opressor de um rei terreno (Ninrode) e a fé inabalável em um único Deus invisível (Abraão). A figura de Ninrode é consolidada como o inimigo de Deus e o promotor da idolatria, um modelo para futuros tiranos como Nabucodonosor e Herodes. O Midrash eleva Abraão à posição de proto-mártir, o primeiro a sofrer perseguição por sua fé, enquanto Ninrode se torna o símbolo da arrogância e do poder que se opõe ao plano divino.  

O Tirano e o Culto Idólatra

Para além dos textos judaicos, lendas populares, especialmente de origens mais recentes, associam Ninrode a sua suposta mãe, Semíramis, em um relato extrabíblico que sugere o estabelecimento de cultos politeístas e de mistérios. É fundamental ressaltar, no entanto, que a Bíblia não menciona Semíramis e não faz qualquer alusão a um casamento de Ninrode com sua mãe. Essa lenda, popularizada por autores posteriores, deve ser tratada como um mito e não como um fato histórico ou bíblico. A sua função, na tradição, parece ser a de ligar o primeiro rei rebelde à origem da idolatria e aos sistemas religiosos que se opunham ao monoteísmo, um padrão comum em mitologias antigas que buscavam justificar suas crenças e origens.  

Fonte: Diário de um servo

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