domingo, 25 de junho de 2017

“A edição genética poderia criar uma classe social superior”

O que acontece quando uma máquina aprende a ler e escrever seu próprio manual de instruções? Esta é a pergunta que Siddhartha Mukherjee (Nova Délhi, Índia, 1970), vencedor do prêmio Pulitzer em 2010 por sua biografia do câncer: O imperador de todos os males (Companhia das Letras) quer responder com seu último livro. Em O gene: uma história íntima (Companhia das Letras), este oncologista entrelaça três narrativas como em uma tripla hélice: uma pessoal, em torno de sua própria família, afetada por doenças mentais hereditárias; uma história que acompanha os cientistas e as experiências que deram origem à genética moderna; e uma chamada de atenção sobre como as tecnologias derivadas desse conhecimento podem mudar a sociedade, e a discussão necessária para que não tenhamos de nos arrepender do que aprendemos

No início deste mês, no maior congresso de câncer do mundo, em Chicago, Mukherjee propunha em uma conferência diante de milhares de médicos um exemplo concreto da relevância dessa discussão. Os testes genéticos permitiram descobrir mutações que podem predispor a sofrer um tumor e em muitos casos melhorou o prognóstico. No entanto, também corre-se o risco de transformar o câncer em uma instituição total na qual o paciente é “constantemente vigiado” e a quem se recorda com frequência demais a ameaça da morte. É um caso em que o conhecimento do genoma pode condicionar a forma de viver nossa vida.

Pergunta. Os nazistas utilizaram a poderosa ideia da genética para justificar seus delírios de limpeza racial e os soviéticos a rechaçaram, negando toda evidência científica, porque a consideravam uma ideia burguesa. Você reconhece agora o uso dessa ideia científica como justificativa para determinadas ideologias?

Resposta. A eugenia privatizada não é diferente da imposta pelo Estado. Só mudam os atores. Um dos últimos desenhos no livro [em que aparece uma família chinesa que só tem filhos homens] mostra o que acontece às populações humanas quando se privatiza a capacidade das pessoas de tomar decisões sobre as características genéticas de seus filhos. Que tenhamos desmantelado a eugenia estatal não significa que não sejamos capazes de propor as mesmas escolhas individualmente, e é igualmente perigoso.

P. Se conseguimos desenvolver uma tecnologia para melhorar os humanos, tornando-os mais inteligentes ou mais bonitos, é possível evitar que as pessoas façam isso com seus filhos?

R. Acho que estamos rumando lentamente para uma nova era. Há três meses, a Academia Nacional de Medicina dos EUA tomou uma decisão muito interessante e muito importante. Estava-se debatendo se as alterações genéticas podiam ser permitidas em espermatozoides, óvulos e embriões humanos. Até agora, no Ocidente, decidimos que a engenharia genética é aceitável em células humanas desde que não mude permanentemente o genoma humano. Se em seu corpo você muda as células do sangue ou os neurônios ou as células do câncer, tudo isso não faz com que as mudanças se tornem parte permanente do genoma humano.

Com Crispr [uma nova ferramenta de edição do genoma] e outras tecnologias estamos chegando ao ponto em que podemos nos perguntar se deveríamos editar o genoma humano de forma permanente. E a academia decidiu permitir isso. Mas há algumas limitações. A primeira, a de que deveria haver uma relação causal entre o gene e o objetivo que tentamos alcançar. A maioria dos traços humanos têm sua origem em vários genes, efeitos ambientais, o acaso... Mas alguns são muito autônomos e para essas doenças em que há uma causa direta entre gene e a doença poderíamos tornar essas mudanças permanentes.

A segunda limitação é mais complicada. Diz que se permitiria realizar essas mudanças se houver um sofrimento extraordinário que se quer evitar. Mas sofrimento extraordinário segundo quem? Quem vai estabelecer os limites? É um sofrimento extraordinário ser mulher em uma sociedade em que se pode enfrentar uma discriminação pavorosa? Definiríamos o sofrimento extraordinário segundo uma doença? Ou perguntando às pessoas se estão sofrendo, se querem continuar vivendo assim? É uma decisão muito complicada e no fim tem a ver com quem somos, com como nos definimos.

P. No livro, você fala dos problemas mentais hereditários que sofreu em sua família. Se tivesse a possibilidade de eliminar esse problema com edição genética, o faria?

R. Não tenho nenhuma dúvida de que no futuro será possível encontrar uma relação entre doenças como a esquizofrenia ou o transtorno bipolar e talvez 10 ou 20 variantes de genes que, combinados, podem predizer que o risco de alguém sofrer essas doenças se multiplica por 10 ou 20. Uma vez que começarmos a conhecer essas combinações, o que vamos fazer?

Imagine um experimento no qual sequenciamos 10 ou 15 milhões de genomas humanos e, depois, para cada um desses 15 milhões, registramos as vidas dessas pessoas. Em seguida utilizamos técnicas de computação para cruzar essas informações e começamos a entender bem como essas combinações de genes – ou até mesmo a combinação desses genes com fatores ambientais – aumentam ou diminuem o risco de sofrer determinadas doenças. No final, você pode imaginar como em uma família como a minha 10 variantes genéticas em combinação multiplicam por 10 o risco de uma doença terrível. Você sequenciaria o genoma de seus filhos para ver qual carrega esse risco?

P. Se eu puder fazer algo a respeito, seguramente sim. Se não, preferiria não saber. Já fazemos isso com a síndrome de Down, mas poderíamos começar a descartar particularidades genéticas muito mais sutis.

R. Depende do que você considere poder fazer algo a respeito ou mudar algo. Uma das possibilidades, que teremos à disposição logo, pode ser algo como selecionar embriões e só implantar aqueles que não têm determinadas combinações de genes.

P. Mas já fazemos isso. Quase não nascem mais pessoas com síndrome de Down

R. Verdade. Já fazemos isso com as trissomias [presença de três cromossomos e não dois como seria o normal], mas poderíamos fazer com particularidade genéticas muito mais sutis. Acho que só veremos isso daqui a 10 ou 15 anos.

P. E você concorda com isso?

R. Não estou seguro de que tenhamos nem a compreensão científica nem humanística do que vai acontecer uma vez que comecemos a adotar essas tecnologias. Acredito que o público crê que os genes produzem características, que são iguais a características, e claramente esse não é o caso. Agora sabemos que para a maioria das características humanas o normal é que vários genes ajam em conjunto e que o ambiente desempenhe um papel muito importante. Tampouco creio que tenhamos uma compreensão humanística sobre o tipo de mundo em que viveremos uma vez que começarmos a levar a cabo esse tipo de manipulação. O que aconteceria se essas tecnologias só estivessem disponíveis para os ricos? Teríamos uma sociedade que não só estaria dividida por uma brecha econômica como também as novas tecnologias criariam uma subclasse genética. Me parece que o perigo é enorme. Não sou pessimista sobre o poder de utilizar essas tecnologias genéticas tão potentes para curar doenças, mas também creio que todos nós deveríamos parar para pensar antes de avançar com demasiada rapidez em direção a esse futuro.

P. Quando se fala de edição genética, parece aceitável empregá-la para curar uma doença, mas há mais dúvidas se a intenção é melhorar alguém que já está bem.

R. O que você está perguntando é onde está a fronteira entre a doença e a normalidade. Essa linha mudou durante nossa própria vida. A homossexualidade era considerada uma doença até pouco tempo atrás. Vinte anos depois, no ocidente, percebemos que é fundamentalmente uma variação humana. Em muitas sociedades ainda é considerada uma doença e você pode ser morto por causa disso. As linhas entre a normalidade e a doença são flexíveis. A pergunta é como começaremos a saber o que significa um sofrimento extraordinário para você. Quem pode definir isso? O Estado vai fazer uma lista. As linhas são flexíveis. Quem vai delimitá-las?

Não conheço as respostas mas sei que não cabe aos cientistas responder a essas perguntas sozinhos. Estamos capacitados para desenvolver uma tecnologia, para explorar a natureza e criar novas tecnologias. Mas não estamos preparados para compreender as imensas implicações dessas tecnologias, particularmente do genoma humano, que é o que mais temos de humano. Nossa decisão para intervir nisso não pode ser tomada apenas por cientistas. Tem que ser um processo político muito mais amplo. E para fazer isso precisamos do vocabulário, dos antecedentes, da história, e precisamos compreender as limitações e pensar sobre o futuro. É disso que o livro fala.

P. Jennifer Doudna, uma das criadoras do sistema de edição Crispr, disse ser uma sorte o fato de não conhecermos em detalhes a origem genética de traços complexos como a inteligência, porque isso tornaria impossível um programa de melhoria humana. Há conhecimentos que é melhor não obtermos?

R. Eu também tenho um conflito com essa pergunta. Acho que dizer que certo conhecimento é perigoso leva imediatamente alguém a buscá-lo e disseminá-lo, o que o torna mais sedutor. Por outro lado, creio que há ideias que são fundamentalmente perigosas, e precisamos de uma compreensão profundamente humanística dessas ideias antes de começarmos a explorá-las como se fosse algo sem maior relevância.

Um exemplo: a inteligência é um conceito popular com uma longa história, que em parte também é depreciável. Depreciável porque uma das capacidades que os nazistas queriam medir e melhorar era justamente essa. Mas agora é um conceito popular, o utilizamos em conversas informais. Quando os cientistas utilizam a palavra inteligência, têm que pegar esse conceito e fazer um código e convertê-lo em algo que se possa definir e medir. No momento em que dissermos que a inteligência é algo sobre o que não se pode falar, alguns cientistas dirão: ‘Não, vou estudar justamente esse problema’.

O que quero fazer com esse livro é dar um passo atrás e pensar na linhagem desse conceito popular do gene, de onde ele vem, como se utilizava no passado, se estamos utilizando com precisão quando um cientista transforma esse conceito popular em uma medida.

Minha ideia não é restringir o conhecimento, não acredito nisso. Minha ideia é explorar desde o fundamental como obtemos o conhecimento, o que significam as palavras. Para que quando comecemos a utilizar palavras como inteligência, reconheçamos que há uma história por trás do uso dessa palavra na ciência, e que se vamos ter um debate público pediria que paremos um segundo e falemos sobre a transformação de um conceito popular em uma medida científica. Porque se não reconhecermos essa transição, cometeremos muitos erros horríveis. Não quero restringir o conhecimento, mas sim reconhecer a anatomia do conhecimento.

Fonte: 

EL PAÍS
DANIEL MEDIAVILLA - 23.06.2017.

terça-feira, 13 de junho de 2017

O trabalho em lugares difíceis: Prepare-se

Prepare-se

Pastores, seminaristas e plantadores de igreja em potencial fazem as mesmas perguntas para mim (Mez) com relação ao meu ministério em Niddrie. Como podemos alcançar uma vizinhança pobre próxima à nossa congregação? Será que devemos plantar uma igreja nova ou devemos tentar revitalizar um trabalho já existente? Como posso saber se não sirvo para este tipo de ministério? Devemos mudar nossa igreja para uma área carente ou não?

Não temos o tempo para responder a todas as perguntas neste capítulo, mas eis algumas das lições mais importantes que aprendi ao longo da minha jornada.

Reconheça a dura realidade

Antes de chegar a Niddrie em 2007, alguém me enviou uma cópia do Fte Scotsman, um jornal nacional que trazia uma manchete sobre a igreja que eu ia pastorear: “Nova Igreja É Forçada a Adotar Mentalidade de Fortaleza Após Ataques de Vândalos”. A matéria começava assim:

Uma igreja construída apenas com verba de doações de uma congregação de New Town foi forçada a gastar 10.000 libras com segurança depois de ser atacada por vândalos que causaram um prejuízo de milhares de libras. Membros da Charlotte Baptist Chapel na Rose Street investiram mais de 700.000 libras, para que uma nova comunidade fosse construída em Niddrie. Mas poucas semanas após a conclusão da obra, ela começou a ser vandalizada, tendo seus vidros e sua parte de aquecimento danificados.

Eu havia acabado de chegar do meu trabalho com gangues no Brasil, de forma que não estava completamente desinformado acerca da dura realidade do ministério em bairros carentes. Mas a Escócia é muito diferente do Brasil. A despeito da violência e da pobreza, os sul-americanos ainda tinham temor a Deus e algum respeito pela igreja. Quando cheguei em Niddrie, ficou claro para mim que, enquanto as pessoas possivelmente cultuavam a Deus da boca para fora, elas não tinham respeito pela igreja e não estavam nem um pouco interessadas em minhas credenciais ministeriais.

Eu havia herdado um edifício que estava sob constante vigilância de crianças e jovens locais. As janelas frequentemente eram quebradas, os carros eram incendiados e os membros eram assaltados nas ruas. O pior era que essas práticas abusivas eram tão antigas que destruir os edifícios tornou-se, praticamente, um ritual de passagem para a juventude local. Os cristãos que estavam dentro do edifício da igreja, cuja maioria residia fora da comunidade, eram alvos fáceis.

O pequeno grupo de cristãos que herdei era formado por pessoas conscientes e bem-intencionadas, que tinham um amor muito grande por Niddrie. O problema era que elas estavam tentando conter décadas de declínio como estranhos culturais daquele ambiente. O único contato que tinham com a comunidade era nos cultos de domingo e nas raras campanhas de entregas de folhetos de porta em porta. Até mesmo a forma como os cultos eram estruturados e dirigidos parecia voltada para a cultura de uma igreja importante e rica, e não de uma igreja localizada numa comunidade carente.

Quando procuravam um pastor, queriam um homem que chegasse e continuasse fazendo o que sempre foi feito. Não preciso nem mencionar que os primeiros meses foram particularmente difíceis para mim. Os membros estavam preocupados com os programas. Certo dia recebi um e-mail de um membro insatisfeito que me censurou por retirar os quarenta e sete tipos diferentes de folhetos evangelísticos da área de café (na realidade, foi o segundo e-mail com esse tipo de conteúdo). Eu estava aparentemente destruindo o evangelismo. Quase que no mesmo instante, outro e-mail chegou querendo explicações do meu não encorajamento à cantoria itinerante do coral da igreja das músicas de Natal nas ruas.

Por outro lado, a comunidade de Niddrie ao nosso redor tinha um conjunto bastante diferente de preocupações. Um dia antes que esses e-mails me fossem enviados, gastei algumas horas conversando com um jovem que havia sido violentado quando criança pelos tios e agora vendia seu corpo na cidade para manter seu vício no crack. Outra mulher teve a energia elétrica cortada por falta de pagamento. Durante a noite, algumas crianças roubaram parte do encanamento da igreja e golpearam a entrada da igreja com tacos de golfe.

Em suma, havia uma desconexão completa entre as pessoas que se reuniam na igreja e as que viviam ao redor da igreja.

Quando me sentei no escritório naquela manhã fria sozinho, me perguntei se e como poderia mudar aquela igreja. Quando plantei a igreja no Brasil, fiz isso partindo do zero. Então não foi difícil inserir o evangelho no DNA dela. A minha situação agora era completamente diferente. Como seria capaz de juntar essas duas realidades completamente diferentes? Sinceramente, senti muita vontade de desistir naquele momento. No fim eu fiquei e encarei o fato de que seria difícil. As igrejas existentes em áreas carentes estão morrendo por uma série de razões, e todas elas são complicadas. Tanto plantar quanto revitalizar são tarefas difíceis. Não existe praticamente nada de romântico nesse trabalho.

Compreenda sua motivação

Os visitantes normalmente vêm à Niddrie Community Church, são impactados pelo ministério, então dizem algo como: “Gostei muito deste trabalho. Eu adoraria voltar e ajudar aqui”. Sem pestanejar, encorajo essas pessoas a gastarem um tempo avaliando suas motivações. Ter apego emocional ao trabalho não é suficiente. Tenho certeza de que essas pessoas amam Cristo. Todavia, dentro de poucas semanas, voltando para casa, o sentimento normalmente desaparece, e elas voltam à vida normal. A Bíblia nos alerta a respeito de pessoas religiosas que, por vezes, têm motivações bagunçadas (Mateus 6.1–6; Marcos 9.34; 12.38–40).

Tivemos o mesmo problema no Brasil. Obreiros chegavam e partiam num espaço de meses, exauridos por causa da intensidade do ministério. Aquilo que parece ser glamoroso numa apresentação marcante no mural missionário, ou que soa como algo fascinante nas páginas de um livro, é um pouco desapontador na vida real. Iniciar um ministério na força de sentimentos pessoais ou em alguma ideia romântica de amor pelos pobres é convidar o desastre para dentro da sua vida. Ser apaixonado por pessoas e amar os excluídos é necessário, sim, mas não é suficiente para ajudar durante a dura realidade do cotidiano.

O que seria uma boa motivação para esse tipo de trabalho? Confesso que um viciado em drogas fedorento e dissimulado não me inspira a dedicar minha vida a ele. Somente meu amor por Cristo me permite amar essas pessoas. Somente a compreensão da graça de Deus em Cristo e o fato de que Cristo morreu por um rato como eu, além de uma grande apreciação para com o evangelho, me capacita a servir pessoas como essas com alegria, a despeito da indiferença e da hostilidade delas à minha ajuda. No final das contas, não faço isso para agradá-las, mas sirvo em amor pelo Salvador que me redimiu do mesmo lamaçal.

Certo psiquiatra escreveu:

Assim como pessoas em quaisquer outras profissões que envolvem o auxílio ao próximo, por vezes a motivação para entrar nesse ministério é obter apreciação, atenção e aceitação, que é pessoalmente necessária, mas que não pode ser suprida em nenhum outro lugar. Por vezes é o desejo inconsciente de dominar os outros e acabar como que se tornando o papa deles, algo fácil de ser obtido se alguém ministra para pessoas imaturas. Muitos pastores recebem muita gratificação inconsciente por serem capazes de direcionar as pessoas num caminho reto.

Creio que ele está correto.

Então você se pergunta: por que você quer ministrar entre os pobres? Quais são as suas motivações? A justiça social e os ministérios de misericórdia estão em alta no mundo evangélico atualmente. Conforme vimos, a realidade pode ser bem diferente da noção romântica que as pessoas têm desse tipo de ministério. Precisamos estar cientes das nossas motivações, pois elas podem voltar para nos assustar caso não pensemos bem antes de nos engajarmos nesse tipo de ministério.

Fonte: 

Por: Mez McConnell e Mike McKinley. © 20Schemes. Website: 20schemes.org. Traduzido com permissão. Fonte: O trabalho em lugares difíceis.

Original: O trabalho em lugares difíceis. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados.

É pastor sênior da Niddrie Community Church, Edimburgo, Escócia. É fundador do 20schemes, um ministério voltado para plantação de igrejas nos lugares mais difíceis da Escócia. Desde 1999, McConnell tem se envolvido com o ministério pastoral, tanto em plantação quanto revitalização.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Jogos em sala de aula

Acabei de postar na página de Projetos Escolares uma nova aplicação para o jogo Adedonha. Lá explico como usar em temas históricos, mas que podem muito bem ser utilizada em qualquer outra disciplina. A leitura é rápida e prática. Espero que ponham em prática essa idéia e trabalhe ludicamente alguns dos temas da sua disciplina.


Link: Adedonha - História

Neo-Ortodoxia

A neo-ortodoxia segundo Karl Barth representou uma clara tentativa de resgatar a Palavra de Deus. A motivação do movimento foi sua decepção com a teologia liberal e fundamentalista que monopolizavam o pensamento teológico no início do século XX.
A defesa da inerrância da bíblia defendida pelos fundamentalistas era fortemente rejeitada pelos neo-ortodoxos, visto que, desenvolveram um conceito próprio do que era revelação, assim como, condenavam o espírito modernista da teologia liberal que apontava para um cristianismo humanista, desprezando a fé cristã.
Nesse sentido, os neo-ortodoxos propunham construir uma nova alternativa teológica para o cristianismo. Em busca desse propósito teólogos como Karl Barth, Emil Brunner, Reinhol e H. Richard Niebuhr passaram a desenvolver inúmeros estudos encima dos grandes temas do protestantismo como a depravação, a graça acima da natureza, a salvação pela fé somente e a transcendência e soberania de Deus.
Os neo-ortodoxos eram enfáticos ao afirmarem que Deus só poderia ser conhecido por sua própria palavra (Jesus Cristo) que se difere das escrituras. O novo conceito de Palavra de Deus rompeu com liberais e fundamentalistas. Na essência ela representava a mensagem de Deus à humanidade na história de Jesus Cristo. A bíblia até poderia se torna a palavra de Deus, quando este a usasse para resgatar um pecador para seu reino, contudo, não é o mesmo que ela. Portanto, a Palavra de Deus, assim como Deus está acima de qualquer outra coisa, sendo soberanamente imprevisível e inteligível aos homens.
Com base nesse pensamento descartaram a Teologia Natural tão cara aos liberais reafirmando que apenas por meio de Jesus Cristo é possível se ter um vislumbre da divindade. Deus se revela de maneira especial e não em experiências humanas universais, imprecisas ou na natureza, ou na história universal.
Ao propor a transcendência de Deus choca-se com a teologia liberal que colocava Deus dentro de um parâmetro racional e sensível as experiências humanas. Daí, serem chamados obscurantistas. Para os fundamentalistas a rejeição da hermenêutica literalistas tornava essa nova teologia uma ameaça concreta ao pensamento cristão clássico, sendo, portanto, classificados como liberais disfarçados. O certo é que o pensamento neo-ortodoxo mexeu com liberais e protestantes obrigando a estes a reverem alguns aspectos dos seus enunciados.
A base inicial do pensamento neo-ortodoxo se encontra nas formulações de Soren Kierkegaad. Soren era um teólogo dinamarquês dono de escritos sombrios e pessimistas que viveu em Copenhague, na Dinamarca (1813-1855). Kierkegaad publicou livros como Temor e Tremor, Fragmentos filosóficos, Notas Conclusivas não Científicas dos Fragmentos Filosóficos e um outro que construíram o pensamento existencialista.
Para Soren a Igreja Luterana dinamarquesa havia desabado diante do espírito cultural da sua época, visto que, absorvera o pensamento hegeliano que afirmava a condução da história pela divindade de forma que não existia espaço para a ação humana (Continuidade perfeita entre o divino e o humano).
Soren acreditava que o homem era responsável pelo seu próprio destino, portanto, escapando deste determinismo lógico. A parábola do pai e os dois filhos (Mt 21. 28-32) representa bem essa liberdade de ação ofertada por Deus aos homens. O pai pede a um dos filhos que vá trabalhar na vinha. O primeiro diz não querer ir e vai e o segundo que afirma querer ir e não vai. Nesse relato fica claro a forma como respondemos a Deus o que ele deseja para nossa vida.
O cristianismo envolve risco, não existe unanimidade de pensamento e ação já que o cristão como qualquer outro homem tem na liberdade a peça fundamental da existência. O cristianismo é escatológico e não histórico-cultural, portanto, não pode ser entendido racionalmente, visto que, Deus escapa de qualquer analise ou compreensão humana. Dessa forma Kierkegaad e demais neo-ortodoxo como Barth combatiam a lógica hegeliana ensinando a transcendência de Deus e a natureza puramente escatológica do reino de Deus.
As ideias de Kierkegaad serviram de inspiração para Karl Barth, uma vez que esse senhor estava consciente que a teologia liberal conduzia o cristianismo de volta ao humanismo. Barth propôs uma teologia sem nenhum sistema humano, que liberal ou fundamentalista. Em sua Dogmática Eclesiástica eliminou os argumentos prolegômenos, ou seja, a seção introdutória sobre teologia natural ou evidências racionais para a crença em Deus e nas escrituras. Dessa forma Barth rompe com o racionalismo passando a focar em Cristo toda a revelação divina.
Três pontos são de grande importância na obra de Barth, são eles:
·         A revelação divina.
·         A ideia sobre Deus.
·         A Salvação do pecador.
A revelação preconizada por Barth era o próprio Deus, portanto, Jesus Cristo, quer seja, no tempo ou na eternidade. Conhecer a Deus e conhecer a Cristo. Qualquer outra revelação é menor que a do próprio Cristo. Nesse sentido advoga que as escrituras eram humanas, um testemunho ordenado por Deus, portanto, não a palavra de Deus. Firmado esse posicionamento rejeita a tese da inerrância bíblica defendida pelos fundamentalistas.
A contradição de Barth se apresenta quando no tratamento da doutrina da salvação ele apresenta as escrituras como inspiradas e infalíveis. No seu entender a bíblia é a fonte e Jesus a norma. O valor das escrituras está no fato dela apresentar Cristo. Portanto, não era necessário gastar tempo em debates sobre a veracidade histórica ou qualquer outro detalhe bíblico.
Além da Bíblia Barth reconhecia a proclamação da palavra como uma terceira via da revelação divina. Para ele não era todo sermão que manifestava a Palavra de Deus. A palavra de Deus e a revelação divina, não é um objeto a ser possuído, manipulado, visto que, simplesmente acontece.
Quanto a Deus, Barth rejeitava qualquer tentativa de defini-lo. Deus é mistério estando além da compreensão racional, contudo, o pouco conhecimento que temos da divindade pelas escrituras, não poderia ser desprezado, afirma Barth. Deus não estava oculto em Cristo, Ele era Cristo, daí sua natureza amorosa, misericordiosa serem também patentes em Deus.
Um ponto importante da sua doutrina de Deus é seus atributos liberdade e amor. Deus se realiza em seu relacionamento com o mundo, contudo, é livre nesse relacionamento. Em outras palavras, Deus não depende da criação, muito embora ama o mundo de tal forma que se envolve com o mesmo. Esse pensamento de Barth deferi de Hegel que negava a transcendência de Deus mantendo a divindade prisioneira ao relacionamento Deus-homem.
Para os fundamentalistas Deus não necessitava do homem, Barth argumentava que Deus decidiu não ser perfeito sem o mundo. Foi por essa razão que Cristo veio ao mundo e se sacrificou por amor ao pecador. Essa atitude de Deus mexeu com sua natureza, assim como, os humanos.
A doutrina da salvação de Barth foi uma tentativa de transcender a polarização de liberais e fundamentalistas quanto a compreensão deste tema. Para os liberais a salvação era universal. Portanto, no final dos tempos Deus se reconciliaria com os homens. Para os ortodoxos pairava a realidade do céu ou inferno como consequência da escolha humana. Na proposta neo-ortodoxa estavam presentes presente a realidade do juízo e ira de Deus, bem como, a eleição e soberania de Deus.
Barth afirmava que o único propósito de Deus na criação era a salvação e esta pela graça de Deus. Segundo seu entendimento Deus não preordenara que parte da sua criação sofra a eterna perdição. A dupla predestinação não se refere ao homem, mas a Jesus Cristo que é o único homem eleito por Deus sem pecado.
Ao eleger Jesus, Deus concedeu a todos os homens a eleição, a salvação e a vida e confere a si próprio a reprovação, a perdição e a morte. Portanto, Deus absorveu o homem às suas custas.
Essa ação de Deus, contudo, não garante que todos os homens, no final. Sejam salvos, nem tão pouco que haja limitação no número e agraciados por sua dádiva. Em suma, ele deixa a questão em aberto.
Quando as afirmativas neo-ortodoxas foram externadas não deixaram de causar terríveis prejuízos para a compreensão do evangelho. Em parte, esse movimento veio ocupar o espaço de debate deixado pelos fundamentalistas que agora se dedicavam a combater a teoria evolucionista e ao comunismo fugindo do bom combate filosófico com os Liberais.
Os neo-ortodoxos ao afirmarem que as escrituras não eram objetivamente a palavra de Deus, mas, que continha a palavra de Deus, bem como, que ela não detinha o monopólio da revelação já que na pratica era fruto da experiência humana eles se contrapõem a própria escritura quando afirma a sua inspiração divina.
“Toda a Escritura é inspirada por Deus e proveitosa para ensinar, para repreender, para endireitar as coisas, para disciplinar em justiça, a fim de que o homem de Deus seja plenamente competente, completamente equipado para toda boa obra”.
É interessante observar que ao usar a palavra “inspirada”, Paulo desejava passar aos seus leitores a ideia de que foi “soprada por Deus”. Para o apostolo não restava nenhuma dúvida acerca da autenticidade da revelação bíblica. Lógico, que existiu o humano, porém, esse não interferiu na mensagem, muito embora tenha deixado sua marca ao abordar a verdade divina.
Esse mesmo pensamento é partilhado pelo apostolo Pedro quando afirma:
“Porque a profecia nunca foi produzida pela vontade do homem, mas os homens falaram da parte de Deus conforme eram movidos por espírito santo”. 2Pe 1.21
O Espirito Santo de Deus aparece aqui mais claramente como aquele que está por trás de toda revelação bíblica. O próprio Cristo quando estava se despedindo dos seus discípulos já advertia que essa seria uma das tarefas do Espirito Santo de Deus.
“Mas o Advogado, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu Nome, esse vos ensinará todas as verdades e vos fará lembrar tudo o que Eu vos disse”.
Portanto, as escrituras são inspiradas por Deus. Lógico, que não é uma revelação completa da divindade, visto que, o Senhor transcende qualquer entendimento humano, contudo, é a carta de Deus aos homens que pela fé em Cristo e arrependimento dos seus pecados são alcançados pela graça salvadora do nosso Deus.

Bibliografia:

OLSON, Roger E. História da Teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas. 

São Paulo: Editora Vida, 2001