terça-feira, 6 de junho de 2017

Neo-Ortodoxia

A neo-ortodoxia segundo Karl Barth representou uma clara tentativa de resgatar a Palavra de Deus. A motivação do movimento foi sua decepção com a teologia liberal e fundamentalista que monopolizavam o pensamento teológico no início do século XX.
A defesa da inerrância da bíblia defendida pelos fundamentalistas era fortemente rejeitada pelos neo-ortodoxos, visto que, desenvolveram um conceito próprio do que era revelação, assim como, condenavam o espírito modernista da teologia liberal que apontava para um cristianismo humanista, desprezando a fé cristã.
Nesse sentido, os neo-ortodoxos propunham construir uma nova alternativa teológica para o cristianismo. Em busca desse propósito teólogos como Karl Barth, Emil Brunner, Reinhol e H. Richard Niebuhr passaram a desenvolver inúmeros estudos encima dos grandes temas do protestantismo como a depravação, a graça acima da natureza, a salvação pela fé somente e a transcendência e soberania de Deus.
Os neo-ortodoxos eram enfáticos ao afirmarem que Deus só poderia ser conhecido por sua própria palavra (Jesus Cristo) que se difere das escrituras. O novo conceito de Palavra de Deus rompeu com liberais e fundamentalistas. Na essência ela representava a mensagem de Deus à humanidade na história de Jesus Cristo. A bíblia até poderia se torna a palavra de Deus, quando este a usasse para resgatar um pecador para seu reino, contudo, não é o mesmo que ela. Portanto, a Palavra de Deus, assim como Deus está acima de qualquer outra coisa, sendo soberanamente imprevisível e inteligível aos homens.
Com base nesse pensamento descartaram a Teologia Natural tão cara aos liberais reafirmando que apenas por meio de Jesus Cristo é possível se ter um vislumbre da divindade. Deus se revela de maneira especial e não em experiências humanas universais, imprecisas ou na natureza, ou na história universal.
Ao propor a transcendência de Deus choca-se com a teologia liberal que colocava Deus dentro de um parâmetro racional e sensível as experiências humanas. Daí, serem chamados obscurantistas. Para os fundamentalistas a rejeição da hermenêutica literalistas tornava essa nova teologia uma ameaça concreta ao pensamento cristão clássico, sendo, portanto, classificados como liberais disfarçados. O certo é que o pensamento neo-ortodoxo mexeu com liberais e protestantes obrigando a estes a reverem alguns aspectos dos seus enunciados.
A base inicial do pensamento neo-ortodoxo se encontra nas formulações de Soren Kierkegaad. Soren era um teólogo dinamarquês dono de escritos sombrios e pessimistas que viveu em Copenhague, na Dinamarca (1813-1855). Kierkegaad publicou livros como Temor e Tremor, Fragmentos filosóficos, Notas Conclusivas não Científicas dos Fragmentos Filosóficos e um outro que construíram o pensamento existencialista.
Para Soren a Igreja Luterana dinamarquesa havia desabado diante do espírito cultural da sua época, visto que, absorvera o pensamento hegeliano que afirmava a condução da história pela divindade de forma que não existia espaço para a ação humana (Continuidade perfeita entre o divino e o humano).
Soren acreditava que o homem era responsável pelo seu próprio destino, portanto, escapando deste determinismo lógico. A parábola do pai e os dois filhos (Mt 21. 28-32) representa bem essa liberdade de ação ofertada por Deus aos homens. O pai pede a um dos filhos que vá trabalhar na vinha. O primeiro diz não querer ir e vai e o segundo que afirma querer ir e não vai. Nesse relato fica claro a forma como respondemos a Deus o que ele deseja para nossa vida.
O cristianismo envolve risco, não existe unanimidade de pensamento e ação já que o cristão como qualquer outro homem tem na liberdade a peça fundamental da existência. O cristianismo é escatológico e não histórico-cultural, portanto, não pode ser entendido racionalmente, visto que, Deus escapa de qualquer analise ou compreensão humana. Dessa forma Kierkegaad e demais neo-ortodoxo como Barth combatiam a lógica hegeliana ensinando a transcendência de Deus e a natureza puramente escatológica do reino de Deus.
As ideias de Kierkegaad serviram de inspiração para Karl Barth, uma vez que esse senhor estava consciente que a teologia liberal conduzia o cristianismo de volta ao humanismo. Barth propôs uma teologia sem nenhum sistema humano, que liberal ou fundamentalista. Em sua Dogmática Eclesiástica eliminou os argumentos prolegômenos, ou seja, a seção introdutória sobre teologia natural ou evidências racionais para a crença em Deus e nas escrituras. Dessa forma Barth rompe com o racionalismo passando a focar em Cristo toda a revelação divina.
Três pontos são de grande importância na obra de Barth, são eles:
·         A revelação divina.
·         A ideia sobre Deus.
·         A Salvação do pecador.
A revelação preconizada por Barth era o próprio Deus, portanto, Jesus Cristo, quer seja, no tempo ou na eternidade. Conhecer a Deus e conhecer a Cristo. Qualquer outra revelação é menor que a do próprio Cristo. Nesse sentido advoga que as escrituras eram humanas, um testemunho ordenado por Deus, portanto, não a palavra de Deus. Firmado esse posicionamento rejeita a tese da inerrância bíblica defendida pelos fundamentalistas.
A contradição de Barth se apresenta quando no tratamento da doutrina da salvação ele apresenta as escrituras como inspiradas e infalíveis. No seu entender a bíblia é a fonte e Jesus a norma. O valor das escrituras está no fato dela apresentar Cristo. Portanto, não era necessário gastar tempo em debates sobre a veracidade histórica ou qualquer outro detalhe bíblico.
Além da Bíblia Barth reconhecia a proclamação da palavra como uma terceira via da revelação divina. Para ele não era todo sermão que manifestava a Palavra de Deus. A palavra de Deus e a revelação divina, não é um objeto a ser possuído, manipulado, visto que, simplesmente acontece.
Quanto a Deus, Barth rejeitava qualquer tentativa de defini-lo. Deus é mistério estando além da compreensão racional, contudo, o pouco conhecimento que temos da divindade pelas escrituras, não poderia ser desprezado, afirma Barth. Deus não estava oculto em Cristo, Ele era Cristo, daí sua natureza amorosa, misericordiosa serem também patentes em Deus.
Um ponto importante da sua doutrina de Deus é seus atributos liberdade e amor. Deus se realiza em seu relacionamento com o mundo, contudo, é livre nesse relacionamento. Em outras palavras, Deus não depende da criação, muito embora ama o mundo de tal forma que se envolve com o mesmo. Esse pensamento de Barth deferi de Hegel que negava a transcendência de Deus mantendo a divindade prisioneira ao relacionamento Deus-homem.
Para os fundamentalistas Deus não necessitava do homem, Barth argumentava que Deus decidiu não ser perfeito sem o mundo. Foi por essa razão que Cristo veio ao mundo e se sacrificou por amor ao pecador. Essa atitude de Deus mexeu com sua natureza, assim como, os humanos.
A doutrina da salvação de Barth foi uma tentativa de transcender a polarização de liberais e fundamentalistas quanto a compreensão deste tema. Para os liberais a salvação era universal. Portanto, no final dos tempos Deus se reconciliaria com os homens. Para os ortodoxos pairava a realidade do céu ou inferno como consequência da escolha humana. Na proposta neo-ortodoxa estavam presentes presente a realidade do juízo e ira de Deus, bem como, a eleição e soberania de Deus.
Barth afirmava que o único propósito de Deus na criação era a salvação e esta pela graça de Deus. Segundo seu entendimento Deus não preordenara que parte da sua criação sofra a eterna perdição. A dupla predestinação não se refere ao homem, mas a Jesus Cristo que é o único homem eleito por Deus sem pecado.
Ao eleger Jesus, Deus concedeu a todos os homens a eleição, a salvação e a vida e confere a si próprio a reprovação, a perdição e a morte. Portanto, Deus absorveu o homem às suas custas.
Essa ação de Deus, contudo, não garante que todos os homens, no final. Sejam salvos, nem tão pouco que haja limitação no número e agraciados por sua dádiva. Em suma, ele deixa a questão em aberto.
Quando as afirmativas neo-ortodoxas foram externadas não deixaram de causar terríveis prejuízos para a compreensão do evangelho. Em parte, esse movimento veio ocupar o espaço de debate deixado pelos fundamentalistas que agora se dedicavam a combater a teoria evolucionista e ao comunismo fugindo do bom combate filosófico com os Liberais.
Os neo-ortodoxos ao afirmarem que as escrituras não eram objetivamente a palavra de Deus, mas, que continha a palavra de Deus, bem como, que ela não detinha o monopólio da revelação já que na pratica era fruto da experiência humana eles se contrapõem a própria escritura quando afirma a sua inspiração divina.
“Toda a Escritura é inspirada por Deus e proveitosa para ensinar, para repreender, para endireitar as coisas, para disciplinar em justiça, a fim de que o homem de Deus seja plenamente competente, completamente equipado para toda boa obra”.
É interessante observar que ao usar a palavra “inspirada”, Paulo desejava passar aos seus leitores a ideia de que foi “soprada por Deus”. Para o apostolo não restava nenhuma dúvida acerca da autenticidade da revelação bíblica. Lógico, que existiu o humano, porém, esse não interferiu na mensagem, muito embora tenha deixado sua marca ao abordar a verdade divina.
Esse mesmo pensamento é partilhado pelo apostolo Pedro quando afirma:
“Porque a profecia nunca foi produzida pela vontade do homem, mas os homens falaram da parte de Deus conforme eram movidos por espírito santo”. 2Pe 1.21
O Espirito Santo de Deus aparece aqui mais claramente como aquele que está por trás de toda revelação bíblica. O próprio Cristo quando estava se despedindo dos seus discípulos já advertia que essa seria uma das tarefas do Espirito Santo de Deus.
“Mas o Advogado, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu Nome, esse vos ensinará todas as verdades e vos fará lembrar tudo o que Eu vos disse”.
Portanto, as escrituras são inspiradas por Deus. Lógico, que não é uma revelação completa da divindade, visto que, o Senhor transcende qualquer entendimento humano, contudo, é a carta de Deus aos homens que pela fé em Cristo e arrependimento dos seus pecados são alcançados pela graça salvadora do nosso Deus.

Bibliografia:

OLSON, Roger E. História da Teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas. 

São Paulo: Editora Vida, 2001

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