A ecoteologia é um campo da teologia que explora as inter-relações entre a religião e a natureza, especialmente à luz das crescentes preocupações ambientais. Em essência, ela busca desenvolver uma reflexão teológica sobre a crise ecológica, oferecendo perspectivas e diretrizes éticas para uma relação mais saudável e sustentável entre os seres humanos, a criação e Deus.
Origem e Contexto
A ecoteologia surge em um momento de crescente consciência sobre os problemas ambientais globais, como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição. No século XX, algumas críticas apontaram para as religiões monoteístas, particularmente o cristianismo, como tendo contribuído para uma visão antropocêntrica que justificaria a dominação e exploração irrestrita da natureza. Em resposta a isso, e impulsionada por movimentos ambientalistas, a ecoteologia começou a se desenvolver para reavaliar e reinterpretar as tradições religiosas à luz da crise ecológica.
Principais Conceitos e Temas
A ecoteologia se baseia em alguns pilares fundamentais:
Deus como Criador e Sustentador: A ecoteologia reafirma a doutrina bíblica de que Deus é o Criador de tudo o que existe, e que a criação é inerentemente boa e digna de respeito. Ela enfatiza que Deus não apenas criou o mundo, mas continua a sustentá-lo e a se importar com todas as suas criaturas.
Mordomia e Cuidado da Criação: O conceito de "domínio" dado aos humanos em Gênesis (1:28) é reinterpretado como mordomia, que implica responsabilidade, cuidado e serviço à criação, em vez de exploração predatória. A ética do cuidado (como em Provérbios 12:10, "O justo atenta para a vida dos seus animais") é central.
Interconexão e Interdependência: A ecoteologia enfatiza que tudo na criação está interligado. Seres humanos, animais, plantas e o planeta formam uma teia de vida interdependente. A saúde de uma parte afeta o todo. Essa visão holística é crucial para entender a crise ambiental como uma crise que afeta toda a "casa comum".
Pecado Ecológico: Assim como existe o pecado contra Deus e contra o próximo, a ecoteologia propõe o conceito de pecado ecológico, que se manifesta na exploração irresponsável dos recursos naturais, na poluição e na destruição de ecossistemas, prejudicando tanto a natureza quanto as gerações futuras.
Justiça Ecológica e Social: A ecoteologia reconhece que a crise ambiental muitas vezes afeta desproporcionalmente os mais pobres e marginalizados. Assim, a justiça ecológica está intrinsecamente ligada à justiça social, defendendo que o cuidado com o meio ambiente deve andar de mãos dadas com a promoção da equidade e do bem-estar humano.
Esperança e Transformação: Apesar do diagnóstico sombrio da crise ecológica, a ecoteologia busca inspirar esperança e promover a conversão ecológica, uma mudança de mentalidade e de práticas que leve à reconciliação com a criação e à busca por um futuro mais sustentável, fundamentada na fé na capacidade redentora de Deus.
A Bíblia e a Ecoteologia
A ecoteologia encontra suas raízes e justificativas em diversas passagens bíblicas:
Gênesis 1 e 2: Os relatos da criação destacam o valor intrínseco da natureza ("viu Deus que era bom") e a responsabilidade humana de "cultivar e guardar" o jardim (Gênesis 2:15).
Salmos e Livros Poéticos: Muitos salmos celebram a glória de Deus manifesta na criação (Salmo 19, Salmo 104) e o cuidado divino pelos animais.
Profetas: Passagens proféticas abordam a desolação da terra como consequência do pecado humano e vislumbram a restauração da harmonia da criação (Isaías 11:6-9).
Novo Testamento: O papel de Jesus Cristo na criação e redenção cósmica (Colossenses 1:16-17; Romanos 8:19-22) é interpretado como a base para uma teologia que abrange toda a criação, não apenas a humanidade.
Ecoteologia e Sustentabilidade
A ecoteologia contribui significativamente para o debate sobre a sustentabilidade, oferecendo uma perspectiva ética e espiritual que complementa as abordagens científicas e econômicas. Ela propõe que a sustentabilidade não é apenas uma questão técnica, mas também moral e teológica. Ao resgatar a noção da Terra como "Casa Comum" e os seres humanos como parte integrante da criação, a ecoteologia incentiva uma mudança de estilo de vida, consumo e produção, buscando um bem-viver que seja ecologicamente responsável e socialmente justo. A encíclica Laudato Si' do Papa Francisco é um exemplo notável de como a ecoteologia tem influenciado o pensamento cristão contemporâneo sobre a sustentabilidade.
Teólogos de Destaque
Entre os teólogos que têm contribuído para o desenvolvimento da ecoteologia, destacam-se:
Jürgen Moltmann: Teólogo protestante alemão, conhecido por sua "teologia da esperança" e sua obra Deus na Criação, que aborda a relação entre Deus, a criação e a crise ecológica.
Leonardo Boff: Teólogo e ex-franciscano brasileiro, uma figura proeminente na teologia da libertação e na eco-teologia latino-americana, com foco na "ecologia integral" e no "cuidado".
Sallie McFague: Teóloga feminista que desenvolveu metáforas para Deus que enfatizam a imanência divina na natureza e a responsabilidade humana pela criação.
Rosemary Radford Ruether: Outra teóloga feminista que explorou as conexões entre a opressão da mulher e a exploração da natureza.
Em resumo, a ecoteologia é um campo vital e crescente que busca integrar a fé e a responsabilidade ecológica, oferecendo um chamado à conversão, à ação e a uma relação renovada com Deus e toda a Sua criação.