A neo-ortodoxia segundo Karl Barth representou
uma clara tentativa de resgatar a Palavra de Deus. A motivação do movimento foi
sua decepção com a teologia liberal e fundamentalista que monopolizavam o
pensamento teológico no início do século XX.
A defesa da inerrância da bíblia defendida
pelos fundamentalistas era fortemente rejeitada pelos neo-ortodoxos, visto que,
desenvolveram um conceito próprio do que era revelação, assim como, condenavam
o espírito modernista da teologia liberal que apontava para um cristianismo
humanista, desprezando a fé cristã.
Nesse sentido, os neo-ortodoxos propunham
construir uma nova alternativa teológica para o cristianismo. Em busca desse
propósito teólogos como Karl Barth, Emil Brunner, Reinhol e H. Richard Niebuhr passaram
a desenvolver inúmeros estudos encima dos grandes temas do protestantismo como
a depravação, a graça acima da natureza, a salvação pela fé somente e a transcendência
e soberania de Deus.
Os neo-ortodoxos eram enfáticos ao afirmarem
que Deus só poderia ser conhecido por sua própria palavra (Jesus Cristo) que se
difere das escrituras. O novo conceito de Palavra de Deus rompeu com liberais e
fundamentalistas. Na essência ela representava a mensagem de Deus à humanidade
na história de Jesus Cristo. A bíblia até poderia se torna a palavra de Deus,
quando este a usasse para resgatar um pecador para seu reino, contudo, não é o
mesmo que ela. Portanto, a Palavra de Deus, assim como Deus está acima de
qualquer outra coisa, sendo soberanamente imprevisível e inteligível aos
homens.
Com base nesse pensamento descartaram a
Teologia Natural tão cara aos liberais reafirmando que apenas por meio de Jesus
Cristo é possível se ter um vislumbre da divindade. Deus se revela de maneira
especial e não em experiências humanas universais, imprecisas ou na natureza,
ou na história universal.
Ao propor a transcendência de Deus choca-se com
a teologia liberal que colocava Deus dentro de um parâmetro racional e sensível
as experiências humanas. Daí, serem chamados obscurantistas. Para os
fundamentalistas a rejeição da hermenêutica literalistas tornava essa nova
teologia uma ameaça concreta ao pensamento cristão clássico, sendo, portanto,
classificados como liberais disfarçados. O certo é que o pensamento
neo-ortodoxo mexeu com liberais e protestantes obrigando a estes a reverem alguns
aspectos dos seus enunciados.
A base inicial do pensamento neo-ortodoxo se
encontra nas formulações de Soren Kierkegaad. Soren era um teólogo dinamarquês
dono de escritos sombrios e pessimistas que viveu em Copenhague, na Dinamarca
(1813-1855). Kierkegaad publicou livros como Temor e Tremor, Fragmentos
filosóficos, Notas Conclusivas não Científicas dos Fragmentos Filosóficos e um
outro que construíram o pensamento existencialista.
Para Soren a Igreja Luterana dinamarquesa havia
desabado diante do espírito cultural da sua época, visto que, absorvera o
pensamento hegeliano que afirmava a condução da história pela divindade de
forma que não existia espaço para a ação humana (Continuidade perfeita entre o
divino e o humano).
Soren acreditava que o homem era responsável
pelo seu próprio destino, portanto, escapando deste determinismo lógico. A
parábola do pai e os dois filhos (Mt 21. 28-32) representa bem essa liberdade
de ação ofertada por Deus aos homens. O pai pede a um dos filhos que vá
trabalhar na vinha. O primeiro diz não querer ir e vai e o segundo que afirma
querer ir e não vai. Nesse relato fica claro a forma como respondemos a Deus o
que ele deseja para nossa vida.
O cristianismo envolve risco, não existe
unanimidade de pensamento e ação já que o cristão como qualquer outro homem tem
na liberdade a peça fundamental da existência. O cristianismo é escatológico e
não histórico-cultural, portanto, não pode ser entendido racionalmente, visto
que, Deus escapa de qualquer analise ou compreensão humana. Dessa forma
Kierkegaad e demais neo-ortodoxo como Barth combatiam a lógica hegeliana
ensinando a transcendência de Deus e a natureza puramente escatológica do reino
de Deus.
As ideias de Kierkegaad serviram de inspiração
para Karl Barth, uma vez que esse senhor estava consciente que a teologia
liberal conduzia o cristianismo de volta ao humanismo. Barth propôs uma
teologia sem nenhum sistema humano, que liberal ou fundamentalista. Em sua
Dogmática Eclesiástica eliminou os argumentos prolegômenos, ou seja, a seção
introdutória sobre teologia natural ou evidências racionais para a crença em
Deus e nas escrituras. Dessa forma Barth rompe com o racionalismo passando a
focar em Cristo toda a revelação divina.
Três pontos são de grande importância na obra
de Barth, são eles:
·
A revelação divina.
·
A ideia sobre Deus.
·
A Salvação do pecador.
A revelação preconizada por Barth era o próprio
Deus, portanto, Jesus Cristo, quer seja, no tempo ou na eternidade. Conhecer a
Deus e conhecer a Cristo. Qualquer outra revelação é menor que a do próprio
Cristo. Nesse sentido advoga que as escrituras eram humanas, um testemunho
ordenado por Deus, portanto, não a palavra de Deus. Firmado esse posicionamento
rejeita a tese da inerrância bíblica defendida pelos fundamentalistas.
A contradição de Barth se apresenta quando no
tratamento da doutrina da salvação ele apresenta as escrituras como inspiradas
e infalíveis. No seu entender a bíblia é a fonte e Jesus a norma. O valor das
escrituras está no fato dela apresentar Cristo. Portanto, não era necessário
gastar tempo em debates sobre a veracidade histórica ou qualquer outro detalhe
bíblico.
Além da Bíblia Barth reconhecia a proclamação
da palavra como uma terceira via da revelação divina. Para ele não era todo
sermão que manifestava a Palavra de Deus. A palavra de Deus e a revelação
divina, não é um objeto a ser possuído, manipulado, visto que, simplesmente
acontece.
Quanto a Deus, Barth rejeitava qualquer tentativa
de defini-lo. Deus é mistério estando além da compreensão racional, contudo, o
pouco conhecimento que temos da divindade pelas escrituras, não poderia ser
desprezado, afirma Barth. Deus não estava oculto em Cristo, Ele era Cristo, daí
sua natureza amorosa, misericordiosa serem também patentes em Deus.
Um ponto importante da sua doutrina de Deus é
seus atributos liberdade e amor. Deus se realiza em seu relacionamento com o
mundo, contudo, é livre nesse relacionamento. Em outras palavras, Deus não
depende da criação, muito embora ama o mundo de tal forma que se envolve com o
mesmo. Esse pensamento de Barth deferi de Hegel que negava a transcendência de
Deus mantendo a divindade prisioneira ao relacionamento Deus-homem.
Para os fundamentalistas Deus não necessitava
do homem, Barth argumentava que Deus decidiu não ser perfeito sem o mundo. Foi
por essa razão que Cristo veio ao mundo e se sacrificou por amor ao pecador.
Essa atitude de Deus mexeu com sua natureza, assim como, os humanos.
A doutrina da salvação de Barth foi uma
tentativa de transcender a polarização de liberais e fundamentalistas quanto a
compreensão deste tema. Para os liberais a salvação era universal. Portanto, no
final dos tempos Deus se reconciliaria com os homens. Para os ortodoxos pairava
a realidade do céu ou inferno como consequência da escolha humana. Na proposta
neo-ortodoxa estavam presentes presente a realidade do juízo e ira de Deus, bem
como, a eleição e soberania de Deus.
Barth afirmava que o único propósito de Deus na
criação era a salvação e esta pela graça de Deus. Segundo seu entendimento Deus
não preordenara que parte da sua criação sofra a eterna perdição. A dupla
predestinação não se refere ao homem, mas a Jesus Cristo que é o único homem
eleito por Deus sem pecado.
Ao eleger Jesus, Deus concedeu a todos os
homens a eleição, a salvação e a vida e confere a si próprio a reprovação, a
perdição e a morte. Portanto, Deus absorveu o homem às suas custas.
Essa ação de Deus, contudo, não garante que
todos os homens, no final. Sejam salvos, nem tão pouco que haja limitação no
número e agraciados por sua dádiva. Em suma, ele deixa a questão em aberto.
Quando as afirmativas neo-ortodoxas foram
externadas não deixaram de causar terríveis prejuízos para a compreensão do
evangelho. Em parte, esse movimento veio ocupar o espaço de debate deixado
pelos fundamentalistas que agora se dedicavam a combater a teoria evolucionista
e ao comunismo fugindo do bom combate filosófico com os Liberais.
Os neo-ortodoxos ao afirmarem que as escrituras
não eram objetivamente a palavra de Deus, mas, que continha a palavra de Deus,
bem como, que ela não detinha o monopólio da revelação já que na pratica era
fruto da experiência humana eles se contrapõem a própria escritura quando afirma
a sua inspiração divina.
“Toda a Escritura é inspirada por Deus e
proveitosa para ensinar, para repreender, para endireitar as coisas, para
disciplinar em justiça, a fim de que o homem de Deus seja plenamente
competente, completamente equipado para toda boa obra”.
É interessante observar que ao usar a palavra
“inspirada”, Paulo desejava passar aos seus leitores a ideia de que foi
“soprada por Deus”. Para o apostolo não restava nenhuma dúvida acerca da
autenticidade da revelação bíblica. Lógico, que existiu o humano, porém, esse não
interferiu na mensagem, muito embora tenha deixado sua marca ao abordar a
verdade divina.
Esse mesmo pensamento é partilhado pelo
apostolo Pedro quando afirma:
“Porque a profecia nunca foi produzida
pela vontade do homem, mas os homens falaram da parte de Deus conforme eram
movidos por espírito santo”. 2Pe 1.21
O Espirito Santo de Deus aparece aqui mais
claramente como aquele que está por trás de toda revelação bíblica. O próprio Cristo
quando estava se despedindo dos seus discípulos já advertia que essa seria uma
das tarefas do Espirito Santo de Deus.
“Mas o Advogado, o Espírito Santo, a quem
o Pai enviará em meu Nome, esse vos ensinará todas as verdades e vos fará
lembrar tudo o que Eu vos disse”.
Portanto, as escrituras são inspiradas por
Deus. Lógico, que não é uma revelação completa da divindade, visto que, o
Senhor transcende qualquer entendimento humano, contudo, é a carta de Deus aos
homens que pela fé em Cristo e arrependimento dos seus pecados são alcançados
pela graça salvadora do nosso Deus.
Bibliografia:
OLSON, Roger E.
História da Teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas.
São
Paulo: Editora Vida, 2001
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