terça-feira, 3 de junho de 2025

O divócio na igreja evangélica

O tema do divórcio e novo casamento na igreja evangélica brasileira é complexo e gerador de muitos debates, refletindo diferentes interpretações das Escrituras e a tentativa de aplicar princípios bíblicos a realidades sociais complexas.


O Ensino de Cristo sobre o Divórcio

Para confrontar a prática na igreja evangélica, é fundamental entender o que Jesus ensinou sobre o divórcio. Suas palavras são a base para a maioria das discussões teológicas.


1. O Ideal da Indissolubilidade: Jesus, ao ser questionado pelos fariseus sobre a licitude do divórcio, remeteu ao propósito original de Deus para o casamento na criação:

  • Mateus 19:4-6 (e Marcos 10:6-9): "Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que, no princípio, o Criador os fez macho e fêmea e disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem."
  • Confronto: Jesus enfatiza que o casamento é uma união divina e indissolúvel, um só corpo, e que a separação não faz parte do plano original de Deus. Ele não quer o divórcio.

2. A "Cláusula de Exceção" (Porneia): Os fariseus, então, questionam por que Moisés permitiu o divórcio (Deuteronômio 24:1-4). Jesus responde:

  • Mateus 19:7-9: "Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio e repudiá-la? Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza do vosso coração, vos permitiu repudiar vossa mulher; mas, ao princípio, não foi assim. Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição [gr. porneia], e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério."
  • Mateus 5:32: "Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de fornicação [gr. porneia], a faz que cometa adultério; e qualquer que casar com a repudiada comete adultério."
  • Confronto: Esta é a famosa "cláusula de exceção". A palavra grega porneia é ampla e pode significar imoralidade sexual de forma geral, não apenas adultério no sentido estrito. Muitos teólogos a interpretam como infidelidade sexual, prostituição, incesto ou qualquer forma de conduta sexual ilícita que rompe fundamentalmente o pacto matrimonial. Jesus, ao mencionar a "dureza do coração", reconhece que o divórcio é uma concessão (não um mandamento) devido à natureza pecaminosa do ser humano, mas não o ideal.

3. O Recasamento como Adultério:

  • Marcos 10:11-12: "E ele lhes disse: Qualquer que repudiar sua mulher e casar com outra, comete adultério contra ela; e se ela repudiar seu marido e casar com outro homem, comete adultério."
  • Lucas 16:18: "Qualquer que deixa sua mulher e casa com outra adultera; e aquele que casa com a repudiada pelo marido adultera também."
  • Confronto: Sem a exceção da porneia, Jesus afirma que o divórcio e o recasamento subsequente (enquanto o cônjuge original vive) configuram adultério.

O Divórcio na Igreja Evangélica Brasileira: Perspectivas e Práticas

As igrejas evangélicas no Brasil, embora compartilhem a Bíblia como sua autoridade máxima, possuem diferentes abordagens sobre o divórcio e o recasamento, refletindo as complexidades hermenêuticas e pastorais.

Posicionamentos Gerais:

  • O Ideal Bíblico: A grande maioria das denominações evangélicas brasileiras concorda que o divórcio não faz parte do plano original de Deus para o casamento. O casamento é visto como uma união vitalícia e sagrada. Mensagens e sermões frequentemente enfatizam a importância da permanência do casamento.
  • A "Cláusula de Exceção" (Porneia): Muitas denominações interpretam a "cláusula de exceção" de Mateus (imoralidade sexual/prostituição) como o único motivo bíblico válido para o divórcio e o subsequente recasamento sem caracterizar adultério. No entanto, a interpretação da extensão de "porneia" varia:
    • Visão mais restritiva: Alguns entendem porneia estritamente como relações sexuais ilícitas, ou seja, adultério. Nesses casos, o divórcio seria permitido, e o recasamento só após a morte do cônjuge original, mesmo que o divórcio tenha ocorrido por adultério.
    • Visão mais comum: A maioria das igrejas permite o divórcio e o novo casamento para o cônjuge inocente no caso de infidelidade sexual comprovada (o que se encaixaria em porneia).
A "Cláusula Paulina" (Abandono por Descrente): O apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 7:12-15, oferece outra "exceção" para a permanência no casamento:
  • 1 Coríntios 7:15: "Mas, se o descrente se apartar, que se aparte; em tais casos, o irmão ou a irmã não está sujeito à servidão; Deus chamou-nos para a paz."
  • Confronto: Muitas denominações evangélicas brasileiras aceitam esta "cláusula paulina" como um motivo válido para o divórcio e, consequentemente, o recasamento do cônjuge crente que foi abandonado por um descrente. Entende-se que a paz e a liberdade do crente são prioridades.
  • Casos de Abuso e Violência: Embora não haja uma "cláusula bíblica explícita" para divórcio em casos de abuso físico, emocional ou negligência extrema, muitas igrejas e pastores, na prática, aconselham a separação e, em alguns casos, permitem o divórcio e recasamento. Isso se baseia na compreensão de que o casamento deve ser um ambiente de amor, respeito e segurança, e que a manutenção de um relacionamento abusivo contraria os princípios do Reino de Deus. Esta é uma área de crescente debate e sensibilidade pastoral.
  • Rejeição ao Recasamento (Visão Mais Conservadora): Algumas denominações, geralmente as mais tradicionais ou reformadas, podem ter uma posição mais rígida, permitindo o divórcio apenas em casos de adultério (ou porneia), mas desencorajando ou até proibindo o recasamento enquanto o cônjuge original vive, considerando-o adultério à luz de Marcos e Lucas. Nestes contextos, o cônjuge divorciado é exortado a permanecer solteiro ou a reconciliar-se.

Desafios e Práticas Pastorais:

  • Acolhimento vs. Disciplina: Há um dilema pastoral constante entre acolher os divorciados (que muitas vezes carregam traumas e sofrimento) e manter a integridade dos ensinamentos bíblicos sobre a indissolubilidade do casamento.
  • "Tabu" do Divórcio: Em muitas igrejas evangélicas, o divórcio ainda é um "tabu", gerando estigma e exclusão para os divorciados, especialmente as mulheres (conforme apontado por pesquisas como a da PUC-GO sobre o dilema das mulheres divorciadas).
  • Recuperação e Restauração: Muitas igrejas enfatizam a necessidade de arrependimento, cura e restauração, mesmo para aqueles que se divorciaram por motivos não bíblicos. O foco é na graça e no perdão de Deus.
  • Aconselhamento Pré-Nupcial e Conjugal: Há um esforço crescente para fortalecer os casamentos através de aconselhamento pré-nupcial rigoroso e aconselhamento conjugal para casais em crise, visando evitar o divórcio.

O confronto entre a prática da igreja evangélica brasileira e os ensinamentos de Cristo revela que, embora o ideal de Jesus seja a indissolubilidade do casamento ("o que Deus uniu, ninguém separe"), a "dureza do coração" e a realidade do pecado humano levaram à permissão do divórcio em certas circunstâncias. A maioria das igrejas evangélicas no Brasil adota as "cláusulas de exceção" (imoralidade sexual e abandono por descrente) como motivos válidos para o divórcio e o subsequente recasamento. No entanto, a aplicação dessas exceções varia, e o debate sobre casos como abuso continua a desafiar a teologia e a prática pastoral, buscando um equilíbrio entre a fidelidade à Palavra de Deus e a compaixão pelas pessoas em situações difíceis. 

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