No exato momento em que a mais brutal de todas as guerras atingia seu ápice na Europa, Dietrich Bonhoeffer sugeriu talvez a mais importante pergunta para a fé cristã:
“Quem é de fato Cristo para nós hoje?” Essa questão foi sugerida quando ele estava na Prisão Preventiva das Forças Armadas em Berlin-Tegel, momento em que, segundo as percepções do escritor alemão, o mundo caminhava “para uma época totalmente arreligiosa”. Mas, perceptivelmente, ele também notou que, mesmo entre aqueles especialmente religiosos, “o termo ‘religioso’ refere-se a algo bem diferente.”1 Essas duas imagens que, segundo a interpretação de Bonhoeffer, marcam a metade do século XX na Europa — de um lado, uma época arreligiosa, de outro, a própria reinterpretação da religião — se revelam na forma como a pessoa de Cristo é interpretada no Brasil. Em resumo, elas retratam Jesus de várias formas: como um bebê inofensivo na manjedoura, como um ser tão sobre-humano que acaba eclipsado por Maria, como uma espécie de mágico ou guru, como uma figura impotente sangrando na cruz ou até mesmo como um líder socialista revolucionário. A partir dessas caricaturas, podemos entender por que a igreja brasileira não experimenta “rios de água viva” (Jo 7.38), em que a fé cristã é vivenciada em categorias meramente religiosas. Assim, a pergunta que se impõe é: “Quem é de fato Cristo para nós hoje?”
Devemos começar afirmando que a única fonte autorizada para testemunharmos sobre Jesus Cristo é a Escritura Sagrada, especialmente os Evangelhos, como a fonte autorizada para reconstruirmos a pessoa, vida e a obra de Cristo. A tentativa contemporânea de retratar Cristo por meio de fontes extrabíblicas espúrias não é nova. Já em meados do segundo século, Ireneu de Lyon recorreu à Escritura contra as reivindicações gnósticas de autoridade de suas supostas tradições secretas. Após afirmar que os gnósticos ensinavam uma teoria “que nem os profetas pregaram, nem o Senhor ensinou, nem os apóstolos transmitiram.” Por meio dela, eles se orgulhavam de “ter conhecimentos melhores e mais abundantes do que os outros” e procuravam “acrescentar às suas palavras outras dignas de fé, como as palavras do Senhor ou os oráculos dos profetas ou as palavras dos apóstolos, para que as suas fantasias não se apresentassem sem fundamento”. Eles descuidavam da ordem e do texto da Escritura, distorcendo todo o ensinamento apostólico a respeito do Senhor Jesus. Após mencionar a famosa analogia do mosaico de um rei que é transformado num mosaico de raposa e após dizer e confirmar que “aquela era a autêntica imagem do rei feita pelo hábil artista”, os gnósticos costuram “fábulas de velhinhas e, tomando daqui e tomando dali palavras, sentenças e parábolas, procuram adaptar as palavras de Deus às suas fábulas.”
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Assim, ao considerarmos o que as Escrituras ensinam sobre Jesus Cristo, fica evidente que três temas são firmemente estabelecidos. O primeiro é o consistente testemunho bíblico acerca da divindade de nosso Salvador. A ideia de que Jesus se tornou Cristo ou foi divinizado em algum momento de seu ministério terreno deve ser rejeitada como uma tosca tentativa racionalista de vencer a tensão presente no rico quadro bíblico. Do mesmo modo também devem ser rejeitadas a suposição de que houve um tempo em que não havia o Filho e a sugestão de que o Pai e o Filho são aspectos iguais da mesma realidade. De acordo com o quadro bíblico, o Filho sempre existiu como Filho junto a seu eterno e amado Pai, comunhão esta que se revela no Espírito Santo. Esse Filho, que sempre existiu, foi prometido e ansiado no Antigo Testamento, como o Messias — Cristo — que salvaria seu povo dos pecados (cf. Mt 1.21).
Um segundo aspecto que precisa ser destacado é que a Escritura afirma justamente a plena humanidade daquele que é revelado como o Deus encarnado, o Senhor que assume a humanidade. Em todo o relato bíblico presente nos Evangelhos, Cristo é apresentado como homem. Da virgem Maria, ele nasceu de forma miraculosa, por obra do Espírito Santo, cresceu, aprendeu, foi batizado e tentado, passou fome, sede e cansaço, entristeceu-se, foi afligido, sofreu e morreu. Todas essas experiências são registradas como reais, como uma profunda identificação com a humanidade. Ao mesmo tempo, tais experiências estão lado a lado com outras em que se revela o nosso salvador conhecendo o que se passa nos corações dos homens, curando, exorcizando, dando ordem aos elementos da criação, ressuscitando os mortos e perdoando pecados. Como o autor de Hebreus afirmou, “aquele para quem são todas as coisas e por meio de quem tudo existe, ao trazer muitos filhos à glória, aperfeiçoasse por meio do sofrimento o autor da salvação deles” (2.10). Cristo deliberadamente escolheu o caminho do sofrimento, da morte e da cruz — e todo o seu ministério terreno foi uma preparação para a cruz.
Um terceiro aspecto importante do quadro bíblico é a relação de Cristo com o Espírito Santo. Por um lado, o Espírito desce sobre o Filho submisso, atuando sobre sua vida e ministério. Por outro lado, aprendemos que Jesus é quem envia junto com o Pai o Espírito, e os discípulos são enviados debaixo da autoridade de Jesus a batizar outros com o Espírito Santo.
Por: Franklin Ferreira teólogo conservador.
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