Arqueólogos israelenses realizam a maior escavação arqueológica do país nos últimos 30 anos. O objetivo: encontrar nas montanhas do Deserto da Judeia os manuscritos perdidos do Mar Morto
Há mais ou menos cinco anos, entre as vielas e ruas estreitas de Jerusalém, surgiram rumores de que um artefato raríssimo estava sendo vendido no mercado negro de antiguidades da cidade velha. A venda de peças raras e documentos milenares, longe dos olhos das autoridades, é algo que acontece não só em Israel mas em praticamente todo o Oriente Médio. O Departamento de Antiguidades do governo de Israel soube que era um papiro, com um texto escrito em hebraico. Se a informação estivesse correta, então o pergaminho deve ter sido roubado por ladrões de artefatos arqueológicos que atuam nas centenas de cavernas do vale de T’seilim, no deserto da Judeia.
A negociação de antiguidades roubadas e vendidas no mercado negro leva meses para ter desfecho. Assim que soube que a pista era “quente”, agentes secretos disfarçados entraram em ação. A Autoridade de Antiguidades de Israel colocou um falso comprador em contato com o negociador. O espião disfarçado passou-se por um americano, dono de um antiquário. Levou três meses para que uma relação de confiança fosse estabelecida, e os ladrões mostrassem, enfim, o manuscrito original ao falso comprador.
Tudo aconteceu no restaurante de um hotel famoso em Jerusalém. Era o quarto encontro. O agente também trouxe o que foi pedido pelo bandido: uma maleta com 2 milhões de dólares. Os ladrões finalmente tiraram o raro pergaminho de um plástico e o entregaram. Neste momento o agente secreto fez um sinal com a mão e, na sequência, a polícia os prendeu e o papiro foi recuperado. No interrogatório os ladrões revelaram de onde vinha o documento raro, e eles responderam em árabe “Wadi Tziel” que em hebraico quer dizer vale do Tze’elim ou “Terraço de Deus”. O papiro, segundo as autoridades, data de 139 antes de Cristo, e aparentemente foi encontrado em uma das cavernas da região do Mar Morto.
Em 2014, uma unidade de resgate do exército israelense participava de treinamento na mesma região. Eles se separaram em três grupos, e um deles passou a fotografar o vale e suas cavernas. Até que percebeu uma movimentação numa delas, justamente a que é considerada pelos arqueólogos a mais especial: a caverna dos ossos. O local ganhou esse nome porque foi ali, em 1960, durante a primeira escavação, que arqueólogos encontraram sete esqueletos, que foram datados da época de Bar Khoba, um judeu revolucionário que lutou contra as forças gregas em 135 a.c. Os ladrões acabaram presos, e a curiosidade chamou a atenção dos pesquisadores que, para evitar o desaparecimento dessas relíquias que ainda estão ali, iniciaram um projeto nacional de salvação dos últimos manuscritos do Mar Morto.
Mais de 500 pessoas, entre arqueólogos e voluntários, trabalham há três semanas, num esquema militar, na mesma caverna. Eu acompanhei de perto o último dia desse trabalho arriscado e apaixonante, que é a arqueologia de exploração. Para chegar até lá é preciso enfrentar o medo de alturas. De rapel eu desci mais de 300 metros pela rocha até me encontrar com os pesquisadores, que literalmente trabalham à beira do abismo. Amarrados por cabos eles já retiraram toneladas de terra de dentro da caverna e, segundo a arqueóloga que chefia as escavações, foram encontrados cerâmicas, flechas, ossos humanos e de animais, além de um pedaço de pergaminho feito de pele de cabra, com escrita em hebraico antigo. “Estamos no final das escavações e ficamos satisfeitos com os resultados. Agora temos que interromper os trabalhos porque daqui pra frente, devido ao calor que por aqui pode chegar a mais de 50 graus centígrados, explorar as cavernas é impossível”, disse Mika Ullman. Ela tem razão e só pude sentir isso na volta, quando tive que enfrentar 300 metros montanha acima sob um sol de 45 graus.
A caverna consiste em um espaço restrito onde só cabem por vez 25 pessoas. O teto é baixo, a poeira está por toda parte, por isso é obrigatório o uso de máscaras. Lá dentro ela se espalha em corredores e outras cavernas menores. A arqueóloga me diz que devido à dificuldae de acesso o local sempre funcionou como refúgio e não como morada já que dificlmente mulheres e crianças conseguiriam chegar ali .
Uma das missões desse time de arqueólogos é determinar se o pedaço de papiro encontrado em 2009 em Jerusalém vem ou não da caverna dos esqueletos. Se a origem for este local, surgem aí várias questões históricas e arqueológicas.
No papiro está escrito em hebraico: “quatro anos desde a destruição da Casa de Israel” e ainda traz alguns nomes de cidades situadas ao sul das colinas de Hebron.
O problema é que na história judaica dois eventos de destruição e mortes em massa estão registrados na Torá, o livro sagrado. Uma delas aconteceu no ano 70 da nossa era, durante a revolta judaica quando os romanos saquearam e destruíram o templo dos judeus em Jerusalém; a outra em 135 a.C., quando Bar Khoba liderando os judeus macabeus enfrentou as tropas gregas que na época dominavam a região.
Os cientistas envolvidos na pesquisa acreditam que a primeira opção é a mais provável, já que o termo “Casa de Israel” não era comum no contexto da revolta de Bar Khoba. Isso quer dizer que mesmo depois da destruição do templo e a quase extinção dos judeus que viviam no Reino da Judeia, muitos sobreviveram em cavernas como a dos ossos, por isso, segundo a Autoridade de Antiguidades de Israel, as pesquisas vão continar e a busca pelos últimos manuscritos do Mar Morto também.
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