As ordens mendicantes tiveram sua origem em meios as
transformações sócio-política-econômica que passava a Europa. Na verdade é uma
reação de parte da igreja aos novos valores capitalistas que ascendiam em detrimento
do feudalismo decadente de seus dias.
A burguesia em ascensão punha em cheque a maneira de ver e pensar
a vida própria da nobreza até então hegemônica em todo o continente europeu. Um
novo conceito de riqueza surgia, não mais baseada na posse da terra, mas no acúmulo
de moedas. O desenvolvimento econômico punha lado a lado ricos e pobres, estes
últimos sem a delicada proteção e a subsistência extraída do feudo.
A discussão sobre a riqueza já fazia parte do dia-a-dia dos
homens de letra e posses dos séculos XII e XIII. Ser rico em meio a um exército
de miseráveis causava um certo desconforto. Dentre os muitos incomodados encontrava-se
Pedro Valdo. Comerciante de Lyon, homem rico segundo os novos tempos, um burguês
que de certa forma estava descontente com as transformações do seu mundo. Pedro
Valdo é despertado em sua sensibilidade quando ouvi a lenda de São Aleixo.
Despertado a servir a pobreza viaja até Roma onde se coloca a
serviço da igreja, contudo é rejeitado por seus interrogadores. No momento a
igreja não havia percebido a profundidade do movimento, nem tão pouco entendia
com clareza as mudanças que se processava a sua volta. Diante disto Pedro Valdo
é proibido de pregar ao povo a sua doutrina, salvo com o consentimento do bispo
local que na ocasião era seu principal opositor.
Quem poderia parar os valdenses em sua missão? Nada. Diante da
perseguição proposta pela igreja e seus aliados, os seguidores de Pedro Valdo fogem
para a região dos Alpes onde se juntam ao movimento de pobres de origem lombarda
formando uma frente política nada simpática ao papado. Quando a reforma
protestante surgiu na Europa muitos dos valdenses aderiram aos reformadores. O
movimento valdense entra para a história da igreja como uma heresia, contudo, foi
precursor do movimento franciscano que viria logo a seguir.
Giovanni [João], fundador da ordem franciscana, pertencia a
mesma classe e tipo de família da qual provinha Pedro Valdo. Sua decisão para o
ministério com os pobres ocorre na idade de 20 anos e depois de uma drástica
experiência no campo de batalha. Certamente pôde contemplar a miséria humana e em seu íntimo e
resolveu modificar essa realidade junto aos seus patrícios. Os valores
burgueses baseados no lucro, na concentração de riquezas e na violência como
instrumento de defesa dos seus interesses o levou a desprezar este estilo de
vida que tanto sofrimento e dor causava aos seus contemporâneos.
Como testemunho da sua decisão renuncia a sua herança e busca
ajuda papal as suas pretensões religiosas. Inocêncio III, o papa mais poderoso
da história da igreja o recebe com certo desdém, colocando em prova a sua
convicção e resistência as circunstâncias adversas. Devido sua aparência lamentavelmente
pobre, o papa manda procurar uma pocilga, visto sua semelhança com as condições
em que vivia esse animal. Ele obedece ao papa e depois de um certo tempo volta
a se encontrar com Inocêncio e reclama deste a sua autorização para fundar uma
ordem religiosa. Inocêncio percebendo sua força moral concede a Francisco sua
petição.
Os franciscanos obtiveram êxito onde os valdenses
fracassaram, em parte pela visão do papa Inocêncio que sabia reconhecer a
capacidade dos seus colaboradores e a dimensão que a nova ordem alcançaria no
seio da igreja. Livre para pregar sua ortodoxia Francisco se esmera na passagem
de Mateus 10. 7-10 e passa a se dedicar ao trabalho com os pobres.
Seu movimento inova em relação aos demais por diversos motivos:
·
Primeiro – Assume um componente evangelístico.
·
Segundo – Tem como campo de atuação os grandes centros
urbanos da sua época.
·
Terceiro – Funda a ordem das Clarissa dando a mulher
um maior espaço dentro da igreja.
A vida monástica, o isolamento dos religiosos cede lugar a
interação com as populações urbanas. Havia uma igreja que alcançava a todos
independente da sua origem familiar. A disposição destes homens era também uma
resposta aos movimentos anabatistas que questionavam a vida desregrada do clero
católico e a corrupção tão comuns as práticas religiosas. A ética Franciscana,
assim como a Dominicana eram pontos positivos na luta da igreja contra os “heréticos”.
São Domingos era doze anos mais
velho que São Francisco. A semelhança do seu irmão na fé também criou uma ordem
religiosa: os pregadores. Ao contrário dos franciscanos os dominicanos se esmeram
nos estudos como forma de combater os hereges. A competência do seu fundador
neste campo já havia sido posta a prova quando este e o bispo de Osma
evangelizaram com relativo sucesso os cátaros [hereges franceses]. A adoção do
monastério nos moldes dos monges agostinianos e o voto de pobreza no estilo
franciscanos são marcas da sua organização. Franciscanos e Dominicanos formaram
as ordens mendicantes da igreja.
Após a morte dos seus fundadores as ordens mendicantes
cresceram por toda Europa. Os ideais dos seus fundadores aos poucos foram sendo
modificados e o voto de pobreza radical começou a ser questionado na medida que
o crescimento determinava a aquisição de propriedades. Esse fato causou
profundas lutas internas e externa a ordem. No meio franciscano surgiram dois
partidos que punham em xeque a ortodoxia do seu fundador: Rigorista e
Moderados. Enquanto as facções dentro da ordem franciscana acirravam os debates
sobre o voto de pobreza, os Pobrezinhos de Assis e os Dominicanos ampliavam sua
área de atuação chegando também as universidades, onde esse mesmo debate ganhou
ares academicistas.
A pregação aos hereges e o avanço sobre as novas terras recém
descobertas aos olhos dos europeus logo demonstrou para a igreja o valor
missionário desta legião de pregadores a serviço do papado. Nomes como
Guilherme de Trípoli [Frente mulçumana], Vicente Ferrer [missões entre os
judeus], João Monte Corvino [Pérsia, Etiópia, Índia e China] davam prova da
força da igreja e como o papa Inocêncio acertou ao acolher Francisco e São Domingo
a sombra da igreja. As baixas frequentes
nas frentes missionárias ao invés de afastar os novos conversos estimulava-os a
prosseguir na pregação cristã.
Com João Montecorvino a representação papal chega a China e
multiplicam de forma que João é nomeado arcebispo de Cambaluc. Outros mais são
enviados para ajuda-los a desenvolver sua missão.
Na medida em que os avanços missionários iam se consolidando
nas novas terras o debate acerca da pobreza absoluta versos riqueza ganha novos
capítulos na Europa. Os franciscanos sob a liderança de João de Parma chegam
próximo do rompimento com o papado. Caso ocorresse se repetiria o fenômeno dos
valdenses.
Os espirituais como passaram a se autodenominar se apegam a
doutrina de Joaquim Fiore (Monge Cisterciense – Doutrina - Era do Pai, do Filho
e do Espírito Santo) afirmando que toda a igreja estava vivendo a era do Filho
enquanto eles já vivenciavam a do Espírito Santo. A defesa radical da doutrina
do seu fundador em meio à confusão de papas (1230 – Gregório IX determina que o
testamento de Francisco de Assis não tinha valor de lei), líderes religiosos e
até franciscanos moderados, esses últimos tidos como traidores da ordem, davam
o tom da beligerância internas na qual mergulhara os Pobrezinhos de Assis.
A disputa interna suavizada entre os dominicanos e acirrada
entre os franciscanos terá seu ponto final quando da chegada a ordem de São
Boaventura. Esse novo prelado combina espirito místico com a mais estrita
ortodoxia franciscana e coloca fora da discussão política João de Parma e seus
seguidores que serão trancafiados nos conventos. Nova reação ocorrerá após a
morte de Boaventura, contudo, com o estabelecimento de uma breve perseguição os
Espirituais desaparecem.
O alto ideal da pobreza absoluta levado a bom termo por
Francisco de Assis chega ao fim após uma grave crise interna na ordem que criou.
Apesar de todo esforço do monge a ganancia humana associada as necessidades
advindas do crescimento da própria ordem deixou claro a incapacidade de se
cumprir o testamento do seu fundador.
CONCLUSÃO
A ordem mendicante veio em meio a uma Europa em
transformação. O medievo abria espaço para o mundo moderno com seus valores e
dessabores que colocavam em xeque as práticas feudais conduzindo os homens a
uma nova organização sócio-política e econômica conhecida mais tarde como
capitalismo.
Em meio as mudanças haviam também as resistências. Trocar o
ideal de coletividade pelo individualismo, a fé pela razão, os laços de
fidelidade e compromisso pela desconfiança da nota promissora, largar o orgulho
do guerreiro, dos atos de nobreza, da camaradagem nos campos de batalha pela
recompensa do lucro certamente não era um ideal de vida que muitos homens do
medievo desejavam. A miséria campeava onde antes existiam a solidariedade, daí
também na religião, área sensível as mudanças se implantam as ordens dos
mendicantes.
Eles reprovavam a ganancia e se apegavam ao humano. A
dependência de Deus era mais valiosa que a segurança da riqueza. Eles entendiam
que o mercado era para servir ao homem e que suas necessidades jamais poderiam
ser satisfeitas em função dele. Pedro Valdo, Francisco, ambos ligados a
nascente burguesia percebiam a incoerência de poucos terem muitos e muitos
terem que curtir a miséria. Certamente a preguiça não era explicação única para
a pobreza absoluta. Daí optaram por largaram aquilo que feria para se
identificarem com os mais simples assim como a pregação do Cristo.
As ordens mendicantes além de humanizarem a relação da igreja
com seu povo (muitos sacerdotes não representavam o povo o qual se diziam
líderes) respondeu parte da crítica histórica dos chamados hereges ao mal
procedimento daqueles chamados escolhidos de Deus. Para o papado foi um
delicioso equilíbrio de forças a tanto desejado, porém nunca posto em prática por
seus representantes mais celebres.
BIBLIOGRAFIA
GONZALEZ, L. Justo. A era
dos altos ideais: Uma história ilustrada do Cristianismo. São Paulo:
Ed. Vida Nova. Volume 04. Ano: 2001.
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