A intolerância religiosa é fruto da união Estado e fé. Essa prática é antiga e hoje podemos visualizá-la no Oriente Médio entre os Estados muçulmanos. Nesses territórios existe uma verdadeira guerra santa pela hegemonia de um tipo de filosofia religiosa. Contudo, essa prática não é só muçulmana, quando olhamos para a nossa história podemos ver traços fortes dessa mesma política entre nossos antepassados.
A inquisição no Brasil.
Os números da inquisição no Brasil colônia são significativos levando-se em conta a nossa distância do principal palco das acirradas lutas religiosas: a Europa. Em linhas gerais tivemos 1076 pessoas investigada. Destas 29 foram queimadas na fogueira da inquisição quer sejam vivas, depois de mortas ou em efígie [boneco representando o indivíduo]. Um exemplo da brutalidade desses atos está na história de Ana Rodrigues. Essa mulher octogésima era uma cristã nova [judia convertida ao catolicismo]. Ela foi acusada de judaísmo na Bahia de 1593. Mesmo tendo sucumbido na prisão de Lisboa teve seus ossos queimados pela fogueira da inquisição 10 anos depois de sua morte. Ela foi a primeira prisioneira da colônia levada à fogueira.
De cara a preferência dos inquisidores recaia sobre os que professavam o judaísmo. Vejamos:
· 778 homens e 298 mulheres foram processados. Desse total 46,13% dos homens e 89,92% das mulheres foram acusados de judaísmo.
Além desses outros 38% dos homens e 8% das mulheres foram denunciados por feitiçaria e os demais por bigamia e sodomia. Do total dos investigados 27,76% eram de mercadores e agricultores. 12,86% de artesãos.
“Era puro racismo”, diz o historiador Bruno Feitler, autor de “Nas Malhas da Consciência – Igreja e Inquisição no Brasil”. Como os judeus não eram cristãos deveriam estar a salvo do Santo Ofício, contudo eram obrigados a se converterem [Confissão obrigatória em Portugal - 1497] e assim, até a décima geração estavam ao alcance dos tribunais da Inquisição.
Durante a renascença a inquisição praticamente desapareceu da Europa, mas no século XV [1478] foi reativada na Espanha e no XVI [1536] em Portugal. O tribunal do Santo Ofício atuou na América portuguesa através das visitações, mas também chegou a várias partes do mundo.
Império | Área de atuação |
Espanhol | América – Cidade do México, Cartagena e Lima. |
Português | Brasil, colônias africanas e Índia – [Goa]. |
As perseguições religiosas na Europa forçaram a saída de muitos cristãos novos [judeus] para a América. Contudo, essa imigração crescente não tardou a despertar o zelo dos inquisidores e determinar uma série de visitações ao Brasil. As zelosas autoridades temiam o retorno dessa população a prática do judaísmo o que não seria tolerado pela coroa e igreja católica.
A Inquisição não era obra apenas da Igreja, mas uma política de Estado. Era imprescindível que as populações nativas fossem obedientes a fé e as coroas européias. Outro aspecto que contribuiu para a reativação da inquisição era o interesse dos Estados Ibéricos de se apropriarem das riquezas geridas pelos judeus, visto que grande parte dos integrantes dessa comunidade eram mercadores bem sucedidos. Portando, era dever do Estado o sustento dos tribunais, bem como a organização dos autos da fé.
Em relação às visitas da inquisição ao Brasil podemos destacar as de:
· 1591 e 1595 – Os inquisidores visitaram a Bahia, Pernambuco, Itamaracá e a Paraíba. Essa visita tem forte caráter político, pois nessa época Portugal estava sob o julgo da União Ibérica.
· 1618 a 1621 – dom Marcos Teixeira era o encarregado do Santo Ofício. A Bahia foi o alvo preferencial dessa visitação que tinha por objetivo a perseguição aos judeus.
· 1763 a 1769 – As terras do Grão-Pará e Maranhão as escolhidas para a visita dos inquisidores. Belém foi serviu de sede ao tribunal. O objetivo dessa visita não são claros, mas tinha haver com o apoio político que a igreja dava ao novo governador geral dom Fernando da Costa de Ataíde Teive. O visitador era Giraldo José de Abrantes. Nessa província muitos curandeiros e feiticeiros foram investigados pelo Tribunal do Santo Ofício.
· 1627 e 1628 – O Rio de Janeiro, São Paulo e São Vicente foram visitados por Luís Pires da Veiga, contudo, ocorreu algo surpreendente, esse inquiridor foi ameaçado de apedrejamento pela população.
É provável que tenham existido outras visitas, no entanto, faltam provas materiais para comprová-las. Os visitadores não eram os únicos instrumentos da inquisição. Em toda a colônia existia uma rede de informações bem articulada pelos padres, bispos e missionários que eram instruídos a observarem a vida espiritual dos membros da sua igreja. Além dos religiosos havia também os comissários. Sobre eles pesava o dever de circular pela região e observar tudo. Os familiares dos hereges, os homens influentes que conseguiam da igreja um certificado de que tinham boa conduta e sangue puro [sem ascendência judaica] eram suas principais fontes de informações.
É importante saber que a tortura era o meio normal de se conseguir confissões e delações. Daí em muitos casos a família ser obrigada a denunciar seus parentes ao inquisidor. Um exemplo disso ocorreu com a professora Branca Dias acusada de práticas judaizantes pela sua mãe e irmã [sob tortura]. Uma vez acusada foi levada para Portugal onde se defendeu das acusações e passou dois anos presa. Uma vez livre se mudou para Recife. Em sua nova cidade é mais uma vez investigada e mesmo depois de morta [1558] foi condenada com suas filhas e netas pelo tribunal.
A chegada do visitador era inicialmente uma grande festa celebrada com inúmeras procissões, mas que logo se transformava num ambiente de tensão. Quando um emissário chegava à cidade era recebido pelas principais autoridades da colônia, isso incluía o governador-geral, funcionários de alto escalão, juízes, bispos, vigários e missionários que passavam para o beija-mão. O inquisidor ficava instalado no centro da cidade onde esperava num prazo de 60 dias [tempo da graça] as denuncias.
Estandarte utilizado nas procissões da Inquisição portuguesa |
Para facilitar o processo e obter com mais rapidez a cooperação da população era espalhado em toda cidade cópias do monitório onde constavam as relações de crimes passíveis de denuncia. A blasfêmia, sacrilégio, homossexualismo e práticas judaizantes faziam parte dessa lista. Durante a quaresma todos os paroquianos tinham o dever de confessar os pecados e devolver os alheios sob pena de se tornarem cúmplices. Não é necessário dizer que essa situação era uma excelente oportunidade para vinganças pessoais. Numa dessas tramas o barbeiro Salvador Rodrigues natural de Belém foi acusado de sodomia pelos irmãos [1661]. A conseqüência dessas denuncia foi à punição de uma rede de homossexuais da cidade.
Províncias que ofereceram maior número de denuncias. | Contexto histórico |
Minas Gerais | Séc. XVII. |
Rio de Janeiro |
As técnicas de investigação principalmente as usadas contras os judeus eram bem sofisticadas. De acordo com o Monitório do Inquisidor Geral [1536] eram observados os seguintes elementos para se compor uma peça condenatória de um suspeito de práticas judaizantes:
· Respeitar o Sábado, não trabalhando e vestindo roupas limpas ou jóias nesse dia; limpar a casa e preparar comida [a carne era preparada com muito alho e cebola, fritando-os ao invés de assá-los.] para o dia seguinte às sextas-feiras; abater os animais à maneira judaica; não comer toucinho ou outros alimentos interditos; observar o Grande Jejum de Setembro, o da Rainha Esther e certos outros; celebrar a Páscoa dos judeus; realizar determinados ritos funerários; praticar a circuncisão; benzer os filhos sem fazer o sinal da cruz; procurar a salvação de suas almas na Lei de Moisés”.
A busca por uma hegemonia religiosa em todo o mundo levou a igreja romana a praticar esse ato vergonhoso e distante do humanismo inerente a pregação do mestre. O resultado de toda essa política foi a morte de mais de 50 mil pessoas ao redor do mundo. Nessa época era proibido pensar em liberdade de consciência, valor tão caro aos nossos dias. Esse só se revelaria ao mundo cristão com os batistas ingleses por meio de Thomas Helwys e seu livro “Uma breve Declaração Sobre a Iniqüidade”.
“Que haja, pois, heréticos, turcos ou judeus ou outros mais, não cabe ao poder terreno puni-los de maneira nenhuma”.
Quando os homens se arvoram do direito de fazer justiça com suas próprias mãos ou tomarem o lugar de Deus na direção da história da humanidade entramos no perigoso terreno da tirania política. Que o grande Deus nos livre dos atuais e futuros tiranos que num ato insano se acham o próprio Deus.
Fonte:
Revista História.
oi li seu blog e gostaria de saber se vc sabe da existencia em autos de branca dias queimada viva na fogueira e citada na obra de dias gomes o santo inquerito vc sabe de algo lisboa.josanefernanda@yahoo.com.br
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ResponderExcluirInfelizmente não tenho essa informação.
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