terça-feira, 29 de junho de 2010

Notícias de Israel



Fonte: CORREIO BRAZILIENSE
Rodrigo Craveiro
Publicação: 29/06/2010 08:10

Construção de parque bíblico em Jerusalém Oriental prevê a remoção de famílias palestinas, ameaça paz e causa polêmica

Qualquer plano de paz que contemple o fim do conflito no Oriente Médio precisará situar Jerusalém Oriental como a capital do Estado Palestino. Esse é um dos motivos pelos quais o assistente social Jawad Siyam, 39 anos, promete não abandonar sua casa. Morador de Siloé, um bairro árabe situado próximo à Velha Cidade de Jerusalém, ele representa o interesse das 88 famílias palestinas que vivem no local. “Temos que ficar em nossos lares. Não permitiremos que eles (israelenses) nos façam uma nova nakba”, afirmou ao Correio, em entrevista por e-mail. Jawad se refere à criação do Estado de Israel e à expulsão de palestinos de 530 cidades e 662 aldeias, em 1948. “Ficaremos aqui e estamos dispostos a pagar o preço. Já estamos pagando o preço da Europa e de sua Segunda Guerra Mundial”, avisou. A ameaça temida por ele tem nome alusivo à própria história de Israel. A Municipalidade (Prefeitura) de Jerusalém aprovou recentemente a construção do parque bíblico Jardim do Rei, um sítio arqueológico no local onde Salomão teria sido coroado e onde Davi erigiu seu palácio. O complexo incluirá ainda hotéis, creches, restaurantes e estabelecimentos comerciais (veja arte ao lado).

Seria mais um projeto turístico, com garantia de renda para a população e as autoridades, se não fosse por um detalhe: ele exigirá a demolição de 22 casas palestinas construídas sem alvará. As famílias que moram em outras 66 residências serão obrigadas a apresentar o licenciamento — um documento cuja obtenção é considerada quase impossível. Siyam acusa a Prefeitura de Jerusalém de não ter consultado os palestinos sobre os planos de remoção das famílias. “Nada no projeto leva em conta nossas necessidades. Temos 1,5 mil palestinos vivendo no parque nacional de Bustan (dentro de Siloé) e eles têm o direito de se expressar”, comenta. “Além disso, Siloé faz parte de Jerusalém Oriental, que supostamente será a capital dos palestinos”, acrescenta. Para o assistente social e líder comunitário, Israel pretende criar novos assentamentos em Jerusalém Oriental, ainda que tenha dado garantias do contrário para o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

O prefeito de Jerusalém, Nir Barkat, se revela um ferrenho defensor do projeto. “O plano é em benefício dos moradores. Além disso, há a importância de desenvolver a área para favorecer o mundo e os turistas, e para a beleza de Jerusalém”, afirmou, no último dia 21, ao aprová-lo. Siyam não poupa críticas a Barkat. “O prefeito crê na judaização de Jerusalém Oriental, ainda que não existam provas de que Salomão ou Davi estiveram nesta área”, observa. “Se o Rei Davi realmente estava aqui 3 mil anos atrás, isso significaria ter que destruir a vida dos palestinos?”, questiona. Chefe do comitê de moradores de Siloé, ele sustenta que Barkat deseja reduzir o número de palestinos na cidade santa. Com uma dose de ironia, Siyam dispara: “Se eu preciso ir de encontro com a agenda deles, então pretendo pedir de volta parte da Espanha, porque os árabes ali viveram durante séculos”.

Em entrevista ao Correio, Ahaz Ben-Ari, conselheiro jurídico do Ministério da Defesa de Israel, admite que o projeto é “uma espécie de contradição e tensão” entre as autoridades de Jerusalém. “Do ponto de vista do município, toda vez que se toca em uma propriedade palestina, isso se torna um problema político”, alerta. “O governo tenta usar sua influência sobre a Municipalidade de Jerusalém para evitar problemas, mas nem sempre é bem-sucedido, por causa do diferente nível de autoridades”, acrescenta o advogado.

Obstáculos
Mesmo entre alguns israelenses existe um clima de desconfiança diante do projeto do Jardim do Rei. Com a função de observar assentamentos, a ativista Hagit Ofran — da organização não-governamental Peace Now — vê três problemas no plano. O primeiro deles está no desejo da Prefeitura de Jerusalém de demolir dezenas de casas palestinas para construir um parque bíblico, de interesse apenas dos judeus. “Além disso, Bustan é uma vizinhança palestina, que terá de ser parte da capital palestina de Jerusalém, sob um acordo de paz. O projeto tenta mudar o local, de forma que ele se torne mais ‘judeu’, dificultando um pacto pelo fim do conflito no Oriente Médio”, comenta. Por último, Hagit lembra que a soberania israelense sobre Jerusalém Oriental não é reconhecida nem pelo mundo nem pelos palestinos. “Para eles, Bustan é um território ocupado, e a decisão da prefeitura é fazer o Jardim do Rei sem seu consentimento, o que criará muita tensão”, alerta.

O futuro daqueles palestinos cujas casas serão preservadas em um primeiro momento incomoda a ativista da Peace Now. Ela reconhece que a maior parte das residências palestinas em Bustan foi construída sem alvará. E culpa a prefeitura por jamais ter feito planos para que palestinos vivessem nessa parte da cidade. “Desde 1967, as autoridades começaram projetos para a construção de 700 unidades (casas) voltadas aos árabes e 50 mil aos israelenses”, explica Hagit. “Para os palestinos é praticamente impossível conseguir permissão para obras por causa da falta de planejamento. O resultado: muitos constroem ilegalmente, pois não têm alternativas.”

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