Casa abriga 24 internas de Campos e região. O período de internação varia de 9 meses a um ano e a recuperação acontece diariamente
Histórias interrompidas, caminhos desviados e futuros apagados. Assim se sentem as 24 mulheres internadas na Cristolândia, uma casa para as dependentes químicas que funciona no bairro de Guarus, em Campos.
Afastadas de suas famílias, de seus empregos, da sociedade e de suas vidas pelas drogas, cada interna ainda tem nas mentes imagens das ruas, da violência e do desespero. A grande maioria perdeu o respeito de filhos, de amigos e da família quando eram usuárias e quase morreram para conseguir comprar crack e cocaína.
De acordo com João Marcos Moury Aquino, representante regional da Junta de Missões Nacional, que coordena a casa, o projeto Cristolândia surgiu no final de 2009, com a necessidade de levar a religião como forma de tirar essas mulheres do vício.
"Nossa missão é tentar resgatar essas vidas que se perderam no meio do caminho devido as drogas. A maioria das internas vivia já nas ruas, em condições precárias, magras, debilitadas. O nosso trabalho é de ir às ruas, levar uma palavra de conforto e alertá-las sobre a situação em que vivem. Damos comida, banho e se elas quiserem ajuda para superar o vício, as recebemos de braços abertos. Mas o trabalho é árduo, muitas não querem nem conversar e rejeitam qualquer tipo de aproximação. Mas com persistência conseguimos fazê-las enxergar que as drogas só servem para matar", explicou.
Quando aceitam ajuda, as mulheres são recebidas e acolhidas na casa por uma equipe de monitoras e psicóloga, que escutam com atenção os motivos que as levaram às drogas. Depois de atendidas elas começam o tratamento, sem medicamentos, e a luta contra o vício se torna cada dia mais difícil, devido as reações da abstinência.
"Para mim, o pior período foram os primeiros dias que fiquei sem a droga. Usei drogas por 13 anos. Comecei porque meus dois irmãos usavam e eu fiquei curiosa. Acabei me viciando primeiro na cocaína, depois usava o crack junto com a maconha. Foi o pior período da minha vida. Tenho duas filhas e por várias vezes as deixei sozinhas em casa para comprar a droga e usar com umas pessoas nas ruas. Uma vez voltei para casa muito alucinada e vi que meus vizinhos tentavam arrombar a minha porta porque minha filha havia chorado a noite inteira. Ela só tinha 2 anos e eu a deixei sozinha. Depois dessa cena que não sai da minha cabeça, resolvi procurar ajuda. Minhas filhas são a coisa mais importante da minha vida e por elas resolvi me recuperar e recuperar o respeito das pessoas que amo", disse Rachel da Silva Pontes, 31 anos, natural de Cachoeiro de Itapemirim e internada na Cristolândia há seis meses.
Assim como Raquel, a maioria das internas conheceu as drogas por curiosidade, para experimentar, ou para fugir de problemas pessoais. Na Cristolândia a decisão de se internar é da mulher e o período de internação varia de 9 meses há um ano.
"Cada história nos impressiona de uma forma, porque são intensas, tristes. Depois de um mês é liberada a visitação dos familiares e somente depois de seis meses internadas elas podem sair da casa para visitar os parentes. É uma luta diária, de entrega total e de amor a Deus, principalmente. Todos os dias elas assistem a cultos e palestras educativas. Diante da grande demanda, por atendermos a toda região, precisamos urgente de um novo espaço, pois a fila de espera é grande", disse João.
"A Cristolândia salvou minha vida. Usei drogas por 10 anos e comecei a usar vendo meus amigos e meu marido usando. Foi a pior coisa que fiz na minha vida. Perdi o respeito da minha família, dos meus filhos, vivia vagando pelas ruas. Não dormia e não comia para conseguir uma pedra de crack. Perdi minha identidade, meu futuro e nem sabia mais quem eu era. O meu objetivo era o crack, era ficar louca. Só quem já usou drogas sabe o quanto chegamos ao fundo do poço e eu hoje, depois de muita luta, muito choro, voltei a ser uma pessoa normal, a conversar socialmente, a comer e a dormir. Já terminei o tratamento e há seis meses monitoro as meninas. Consegui de volta o respeito dos meus filhos e da minha família. Hoje posso dizer que voltei a viver e sou feliz", relatou Mohara Thalita Faria, de 29 anos.
Em quatro anos a Cristolândia já atendeu a 250 mulheres e o índice de recuperação é significativo. Durante a internação as mulheres fazem cursos de artesanato, de música, recebem visitas de igrejas e participam das tarefas diárias da casa.
"O mais importante deste caminho de luta e superação é saber que Deus está no comando de nossas vidas e que somente pela nossa garra voltamos a viver como seres humanos. A droga nos mutila fisicamente e psicologicamente. Quando me olhei no espelho ao chegar na Cristolândia não me conheci. Tinha pouco mais de 40 quilos. Vivi nas ruas como um bicho e a sociedade nem me via. Hoje, em recuperação, me sinto mulher novamente, me olho como uma pessoa forte, que superou a cocaína e o crack e que tem todo um futuro pela frente. Hoje sei o que é ser feliz", contou a interna Fernanda Barreto.
Fonte: Jornal Online Terceira Via
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