Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha nasceu escravo, em 1850, na Fazenda Queimadas, do coronel José Ferreira da Rocha, no atual município de Lagoa deVelhos (RN). Começou a cantar durante os trabalhos na roça.
Tornou-se tocador de rabeca, tendo adquirido seu instrumento aos 15 anos,
com o apoio do dono, que permitia e incentivava que ele cantasse nas casas
dos mais abastados da região e nas feiras. Conseguiu angariar algum
dinheiro que, aos 28 anos, possibilitou comprar a sua alforria. Era analfabeto, mas criava versos, como o "Romance do boi da mão de pau", com 48 estrofes.Suas composições apresentam traços dos romances herdados da idade média.
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Fabião das Queimadas |
Início
| Também vinha nesse dia O seu Raimundo Xexéu. Esse passava por mim Nem me tirava o chapeu. Tava correndo à toa, Deixei ele indo aos boléu. |
Pois sendo eu um boi manso, Logrei a fama de brabo. Dava alguma corridinha Por me vê aperreado, Com o chocaio no pescoço E além disso algemado. | Foro pro mato dizendo: - O Mão de Pau vai à peia. Se ocuparo nesse dia Só em comê mé de abeis. Chegaro em casa de tarde, Vinham de barriga cheia. |
Desde cima no sertão Até den' da capital, Do Norte até o Sul, No mundo todo em geral, Em adijunto de gente, Só se fala em Mão de Pau. | Nesse dia lá no mato, Ao tirá duma amarela, Ajuntaro-se eles todo, Quase que brigam mor dela. Ficaro tudo breado, Óios, pestana e capela. |
Vou paxá pelo juízo Pra se sabê quem eu sou, Mode se sabê dum caso Tá quá ele se passou, Que é o boi liso-vermeio, O Mão de Pau corredô. | Quem vinhé a mim procure Um cavalo com sustança. Inda eu correndo oito dia As canela num me cansa. Só temo a cavalo gordo E vaqueiro de fiança. |
Foi-se espaiando a notiça: Mão de Pau é valentão; Tendo eu enchocaiado, Com as algema nas mão, Mas nada posso dizê, Que preso num tem razão. | Eu temia o Cobiçado, De Antonho Sarafim. Pra minha felicidade Esse morreu, levou fim. Fiquei temendo o Castanho, Do senhô José Joaquim. |
Sei que num tenho razão, Mas sempre quero fala, Porque, além de eu está preso, Querem me assassina... Vosmicês num iguinorem, A defesa é naturá. | Mas peço ao José Joaquim, Se ele vinhé no Castanho, Vigie num faça remô, Que eu pra corrê num me acanho, Nem quero atrás de mim, De fora, vaqueiro estranho. |
Veio cavalo de fama Pra corrê ao Mão de Pau. Todos ficam comido De espora e bacaiau. Desde eu bezerro novo Que tenho meu gênio mau. | Logo obram muito mal Em corrê pro Trairi Buscá vaqueiro de fora Pra comigo diverti, Tendo eu mais arreceio Dos cabra do Potengi. |
Na Serra de Joana Gome Fui eu nascido e criado. Me vi a morrê de sede, Me mudei lá pro Salgado. Daí envante os vaqueiro Me truxero atropelado. | Veio Antonho Rodrigue, Veio Antonho Sarafim, Migué e Gino Viana, Tudo isso contra mim. Ajuntou-se a tropa toda Na casa de Zé Joaquim. |
Me traquejavam na sombra, Traquejavam na comida, Me traquejavam nos campo, Traquejavam na bebida. Só Deus terá dó de mim, Triste é a minha vida! | Meu senhô Chico Rodrigue É quem mais me aperreava. Além de vim muita gente, Inda mais gente ajuntava. Vinha em cavalos bom Só pra vê se me pegava. |
Tudo quanto foi vaqueiro, Tudo me aperreou. Abaixo de Deus eu tinha Fabião a meu favô. Meu nego, chicota os bicho, Aqueles pabuladô. | Vei dois cavalo de fama, Gato Preto e o Macaco, E os dono em riba deles Pabulando no meu rasto. Tive pena num vê eles Numa ponta de carrasco. |
Pegaro a me aperreá Fazendo brabo estrupiço. Fabião na casa dele Esmiuçando por isso, Mode no fim da batais Podê fazê o serviço. | O senhô Francisco Dia, Vaqueiro do coroné, Jurou muito me pegá No seu cavalo Baié, Porém que temia a morte, Se alembrava da muié. |
Tava eu numa maiada, Na hora do amei-dia, Foi quando me vi chegá Três vaqueiro de enxurria, Onde seu José Joaquim, Esse me vinha de guia. | Vaqueiro do Potengi De lá inda veio um, Um bicho escavacado Chamado José Pinum. Vinha pra me corrê vivo, Porém voltou em jejum. |
Chegou-me ali de repente O cavalo Ouro Preto E num instante pegou-me Num lugá até estreito. Se os outos tivero fama, Deles num vi o proveito. | Veio até do Oi-d'água Um tá Antonho Mateu, Num cavalo bom que tinha, Também pra corrê a eu. Cuide de sua famia, Vá se encomendá a Deus. |
Ali fui enchocaiado, Com as algema nas mão Botadas por Chico Luca E o Raimundo Girão, E o Joaquim Siliveste, Mandado por meu patrão. | Veio até senhô Sabino, lá da Maiada Redonda. É bicho que fala grosso, Quando grita a serra estronda. Conheça que o Mão de Pau Com careta num se assombra. |
Aí eu me levantei, Saí até chouteando. Porque eu tava peado, Eles ficaro mangando. Quando foi daí a pouco Andava tudo aboiando. | Dois fio de Januaro, Bernado e Maximiano, Correro atrás de mim, Mas tirei eles do engano. Veja lá que Mão de Pau Pra corrê é boi tirano. |
Me caçaro toda a tarde E num me pudero achá. Quando foi ao pô-do-só Pegaro a se consultá: Que estora, chegando em casa, É que eles ia contá. | Bernado, por sê mais moço, Era mais impertinente. Foi quem mais me presseguiu, Mas enganei ele sempre. Quem vinhé ao Mão de Pau Se num morrê, cai doente. |
Quando foi no outo dia Se ajuntam muita gente: - Só pra dá desprezo ao dono, Vamo bebê aguardente. Pegaro a se consultá Uns atrás, outos na frente. | Cabra que vinhé a mim Traga a vida na garupa. Se não eu faço com ele O que fiz com Chico Luca. Enquanto ele fô vivo, Nunca mais a boi insulta. |
Procurei meus pasto véio, A serra de Joana Gome. Num venho mais no Salgado Nem que eu morra de fome Porque lá me aperreou Tudo quanto foi de honre. | Senhô Antonho Rodrigue Mas o seu Gino Viana, Vocês tão em terra aleis, Apois vigie como anda. Se num sabia dançá, Num se metesse no samba. |
Prefiro morrê de sede, Num venho mais no Salgado. No tempo em que tive lá Vivi muito aperreado. Eu num era criminoso, Porém saí algemado. | Vaqueiro do Trairi Diz que aqui num dá recado. Se dê algum dia santo, Todos ele são tirado. Deixe isso pra Antonho Anselmo, Que esse corre aprumado. |
Me caçaro muito tempo, Ficam desenganado, E eu agora de meu, Lá na serra descansado. Acabo de muito tempo, Me vi muito agoniado. | Quando vi Antonho Anselmo No cavalo Maravia, Fui tratando de corrê, Mas sabendo que morria... Saiu de casa disposto, Se despediu da famia. |
Quando foi com quato mês, Um droga dum caçadô, Andando lá pelos mato, Lá na serra me avistou. Correu depressa pra casa Dando parte a meu senhô. | Vou embora dessa terra Porque conheci vaqueiro. - vou de muda pros brejo Mode dá carne aos brejeiro; Do meu dono bem contente, Que embolsou bom dinheiro. |
Foi dizê a meu senhô: Eu vi Mão de Pau na serra. Daí envante os vaqueiro Pegaro a me fazê guerra. Num sei que hei de fazê Mode vivê nessa terra. | Adeus Lagoa dos Véio - Lagoa do Jucá - serra de Joana Gome E riacho do Juá. Adeus, inté outo dia, Nunca mais virei por cá. |
Veio logo o Vasconcelo No cavalo Zebelinha. Vei disposto a me pegar Pra vê a fama que eu tinha. Mas num deu pra eu buli Na panela da meizinha. | Adeus, Cacimba do Salgado E Poço do Caldeirão. Adeus, Lagoa da Peda E serra do Boqueirão. Diga adeus, que vai embora O boi de algema na mão. |
Sei que estou enchocaiado, Com as algema na mão, Mas esses cavalo mago Enfio dez num cordão. Mato cem numa carreira, Deixo estirado no chão. | Já morreu, já se acabou, Está fechada a questão. Foi-se embora dessa terra O dito boi valentão. Prá corrê só Mão de Pau, Pra verso só Fabião! |
Quando foi no outo dia, Veio Antonio Sarafim, Meu senhô Chico Rodrigue, Isso tudo contra mim. Vinha mais muito vaqueiro Só promode me dá fim. | Fabião das Queimadas Fonte: http://www.barcelona.educ.ufrn.br |
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