terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Romance do boi mão de pau

Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha nasceu escravo, em 1850, na Fazenda Queimadas, do coronel José Ferreira da Rocha, no atual município de Lagoa deVelhos (RN). Começou a cantar durante os trabalhos na roça. 

Tornou-se tocador de rabeca, tendo adquirido seu instrumento aos 15 anos, 
com o apoio do dono, que permitia e incentivava que ele cantasse nas casas 
dos mais  abastados da região e nas feiras. Conseguiu angariar algum 
dinheiro que, aos 28 anos, possibilitou comprar a sua alforria. Era analfabeto, mas criava versos, como o "Romance do boi da mão de pau", com 48 estrofes.Suas composições apresentam traços dos romances herdados da idade média. 


Fonte: http://www.overmundo.com.br

Fabião das Queimadas

Início
Também vinha nesse dia
O seu Raimundo Xexéu.
Esse passava por mim
Nem me tirava o chapeu.
Tava correndo à toa,
Deixei ele indo aos boléu.
Pois sendo eu um boi manso,
Logrei a fama de brabo.
Dava alguma corridinha
Por me vê aperreado,
Com o chocaio no pescoço
E além disso algemado.
Foro pro mato dizendo:
- O Mão de Pau vai à peia.
Se ocuparo nesse dia
Só em comê mé de abeis.
Chegaro em casa de tarde,
Vinham de barriga cheia.
Desde cima no sertão
Até den' da capital,
Do Norte até o Sul,
No mundo todo em geral,
Em adijunto de gente,
Só se fala em Mão de Pau.
Nesse dia lá no mato,
Ao tirá duma amarela,
Ajuntaro-se eles todo,
Quase que brigam mor dela.
Ficaro tudo breado,
Óios, pestana e capela.
Vou paxá pelo juízo
Pra se sabê quem eu sou,
Mode se sabê dum caso
Tá quá ele se passou,
Que é o boi liso-vermeio,
O Mão de Pau corredô.
Quem vinhé a mim procure
Um cavalo com sustança.
Inda eu correndo oito dia
As canela num me cansa.
Só temo a cavalo gordo
E vaqueiro de fiança.
Foi-se espaiando a notiça:
Mão de Pau é valentão;
Tendo eu enchocaiado,
Com as algema nas mão,
Mas nada posso dizê,
Que preso num tem razão.
Eu temia o Cobiçado,
De Antonho Sarafim.
Pra minha felicidade
Esse morreu, levou fim.
Fiquei temendo o Castanho,
Do senhô José Joaquim.
Sei que num tenho razão,
Mas sempre quero fala,
Porque, além de eu está preso,
Querem me assassina...
Vosmicês num iguinorem,
A defesa é naturá.
Mas peço ao José Joaquim,
Se ele vinhé no Castanho,
Vigie num faça remô,
Que eu pra corrê num me acanho,
Nem quero atrás de mim,
De fora, vaqueiro estranho.
Veio cavalo de fama
Pra corrê ao Mão de Pau.
Todos ficam comido
De espora e bacaiau.
Desde eu bezerro novo
Que tenho meu gênio mau.
Logo obram muito mal
Em corrê pro Trairi
Buscá vaqueiro de fora
Pra comigo diverti,
Tendo eu mais arreceio
Dos cabra do Potengi.
Na Serra de Joana Gome
Fui eu nascido e criado.
Me vi a morrê de sede,
Me mudei lá pro Salgado.
Daí envante os vaqueiro
Me truxero atropelado.
Veio Antonho Rodrigue,
Veio Antonho Sarafim,
Migué e Gino Viana,
Tudo isso contra mim.
Ajuntou-se a tropa toda
Na casa de Zé Joaquim.
Me traquejavam na sombra,
Traquejavam na comida,
Me traquejavam nos campo,
Traquejavam na bebida.
Só Deus terá dó de mim,
Triste é a minha vida!
Meu senhô Chico Rodrigue
É quem mais me aperreava.
Além de vim muita gente,
Inda mais gente ajuntava.
Vinha em cavalos bom
Só pra vê se me pegava.
Tudo quanto foi vaqueiro,
Tudo me aperreou.
Abaixo de Deus eu tinha
Fabião a meu favô.
Meu nego, chicota os bicho,
Aqueles pabuladô.
Vei dois cavalo de fama,
Gato Preto e o Macaco,
E os dono em riba deles
Pabulando no meu rasto.
Tive pena num vê eles
Numa ponta de carrasco.
Pegaro a me aperreá
Fazendo brabo estrupiço.
Fabião na casa dele
Esmiuçando por isso,
Mode no fim da batais
Podê fazê o serviço.
O senhô Francisco Dia,
Vaqueiro do coroné,
Jurou muito me pegá
No seu cavalo Baié,
Porém que temia a morte,
Se alembrava da muié.
Tava eu numa maiada,
Na hora do amei-dia,
Foi quando me vi chegá
Três vaqueiro de enxurria,
Onde seu José Joaquim,
Esse me vinha de guia.
Vaqueiro do Potengi
De lá inda veio um,
Um bicho escavacado
Chamado José Pinum.
Vinha pra me corrê vivo,
Porém voltou em jejum.
Chegou-me ali de repente
O cavalo Ouro Preto
E num instante pegou-me
Num lugá até estreito.
Se os outos tivero fama,
Deles num vi o proveito.
Veio até do Oi-d'água
Um tá Antonho Mateu,
Num cavalo bom que tinha,
Também pra corrê a eu.
Cuide de sua famia,
Vá se encomendá a Deus.
Ali fui enchocaiado,
Com as algema nas mão
Botadas por Chico Luca
E o Raimundo Girão,
E o Joaquim Siliveste,
Mandado por meu patrão.
Veio até senhô Sabino,
lá da Maiada Redonda.
É bicho que fala grosso,
Quando grita a serra estronda.
Conheça que o Mão de Pau
Com careta num se assombra.
Aí eu me levantei,
Saí até chouteando.
Porque eu tava peado,
Eles ficaro mangando.
Quando foi daí a pouco
Andava tudo aboiando.
Dois fio de Januaro,
Bernado e Maximiano,
Correro atrás de mim,
Mas tirei eles do engano.
Veja lá que Mão de Pau
Pra corrê é boi tirano.
Me caçaro toda a tarde
E num me pudero achá.
Quando foi ao pô-do-só
Pegaro a se consultá:
Que estora, chegando em casa,
É que eles ia contá.
Bernado, por sê mais moço,
Era mais impertinente.
Foi quem mais me presseguiu,
Mas enganei ele sempre.
Quem vinhé ao Mão de Pau
Se num morrê, cai doente.
Quando foi no outo dia
Se ajuntam muita gente:
- Só pra dá desprezo ao dono,
Vamo bebê aguardente.
Pegaro a se consultá
Uns atrás, outos na frente.
Cabra que vinhé a mim
Traga a vida na garupa.
Se não eu faço com ele
O que fiz com Chico Luca.
Enquanto ele fô vivo,
Nunca mais a boi insulta.
Procurei meus pasto véio,
A serra de Joana Gome.
Num venho mais no Salgado
Nem que eu morra de fome
Porque lá me aperreou
Tudo quanto foi de honre.
Senhô Antonho Rodrigue
Mas o seu Gino Viana,
Vocês tão em terra aleis,
Apois vigie como anda.
Se num sabia dançá,
Num se metesse no samba.
Prefiro morrê de sede,
Num venho mais no Salgado.
No tempo em que tive lá
Vivi muito aperreado.
Eu num era criminoso,
Porém saí algemado.
Vaqueiro do Trairi
Diz que aqui num dá recado.
Se dê algum dia santo,
Todos ele são tirado.
Deixe isso pra Antonho Anselmo,
Que esse corre aprumado.
Me caçaro muito tempo,
Ficam desenganado,
E eu agora de meu,
Lá na serra descansado.
Acabo de muito tempo,
Me vi muito agoniado.
Quando vi Antonho Anselmo
No cavalo Maravia,
Fui tratando de corrê,
Mas sabendo que morria...
Saiu de casa disposto,
Se despediu da famia.
Quando foi com quato mês,
Um droga dum caçadô,
Andando lá pelos mato,
Lá na serra me avistou.
Correu depressa pra casa
Dando parte a meu senhô.
Vou embora dessa terra
Porque conheci vaqueiro.
- vou de muda pros brejo
Mode dá carne aos brejeiro;
Do meu dono bem contente,
Que embolsou bom dinheiro.
Foi dizê a meu senhô:
Eu vi Mão de Pau na serra.
Daí envante os vaqueiro
Pegaro a me fazê guerra.
Num sei que hei de fazê
Mode vivê nessa terra.
Adeus Lagoa dos Véio
- Lagoa do Jucá
- serra de Joana Gome
E riacho do Juá.
Adeus, inté outo dia,
Nunca mais virei por cá.
Veio logo o Vasconcelo
No cavalo Zebelinha.
Vei disposto a me pegar
Pra vê a fama que eu tinha.
Mas num deu pra eu buli
Na panela da meizinha.
Adeus, Cacimba do Salgado
E Poço do Caldeirão.
Adeus, Lagoa da Peda
E serra do Boqueirão.
Diga adeus, que vai embora
O boi de algema na mão.
Sei que estou enchocaiado,
Com as algema na mão,
Mas esses cavalo mago
Enfio dez num cordão.
Mato cem numa carreira,
Deixo estirado no chão.
Já morreu, já se acabou,
Está fechada a questão.
Foi-se embora dessa terra
O dito boi valentão.
Prá corrê só Mão de
Pau, Pra verso só Fabião!
Quando foi no outo dia,
Veio Antonio Sarafim,
Meu senhô Chico Rodrigue,
Isso tudo contra mim.
Vinha mais muito vaqueiro
Só promode me dá fim.
Fabião das Queimadas

Fonte: 
http://www.barcelona.educ.ufrn.br

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