Publicação: 11 de Março de 2010 às 00:00
As dificuldades que afetam a rede municipal de ensino vão além da luta por melhorias salariais, que motivou os professores a manter a greve, que hoje completa 24 dias, apesar da determinação judicial. A reportagem da TRIBUNA DO NORTE percorreu algumas escolas do município e constatou que, mesmo se a decisão liminar concedida pelo juiz Henrique Baltazar, que julgou o movimento abusivo e decretou o retorno imediato às salas de aula fosse obedecida, o que não é o caso, professores e estudantes não teriam como, de fato, iniciar o ano letivo. Além da greve, a falta de merenda, material de limpeza e até gás de cozinha impede o andamento das atividades.
Emanuel Amaral
Escola Municipal Professor José de Andrade Frazão, no Jardim Progresso, não tem gás para preparar a merenda que também está no fimProva disso, é a suspensão parcial das aulas na Escola Municipal Professor José de Andrade Frazão, em Jardim Progresso, zona Norte, desde a quinta-feira (4), até o horário que deveria ser o da merenda, se houvesse gás para cozinhar o que sobrou na dispensa do ano passado.
Desde o dia 18, data prevista para o início do ano letivo, que 13 dos 51 professores da instituição, que não puderam aderir ao movimento por fazer parte da “seletiva” (contratados para serviço prestado por dois anos), dão aula aos alunos do 1º ao 5º ano.
“Há oito dias faltou gás e na sexta-feira (5) liguei para a Secretaria pedindo uma guia de liberação ao fornecedor para a compra do gás e até agora não recebemos. E eu não tenho explicação de qual a dificuldade em se adquirir um botijão”, disse a diretora Edvânia Araújo. Segundo a diretora, o estoque de alimentos está quase vazio e deve suportar mais dois dias para a demanda atual. “Caso a greve acabe e todas as turmas voltem à ativa não temos como funcionar sem comida. O recurso do PNAE está liberado, segundo ele, mas ainda não entrou na conta”, frisa.
Mas a carência não para por aí. Para garantir o mínimo do básico ao funcionamento da escola, os professores relatam que tiveram que trazer de casa material de limpeza e apoio. “No início do ano letivo, em reunião, a direção, muito envergonhada, fez um apelo aos professores para trazer copos, xícara, sabão, papel higiênico e outros materiais para podermos funcionar”, afirma a professora Luquiara Ferreira da Silva.
A dona de casa Ivonete Martins, mãe da aluna Laís, do 5º ano, considera a forma como a escola é gerida espelho da gestão municipal. “Quando não é greve, é a falta de tudo. Suspender aulas porque falta gás na escola é o cúmulo”, desabafou. Retornando só ontem às aulas, a mãe do pequeno Gabriel Venício, 7, do 2º, lamentou a desorganização. “Depois de tantos dias sem ele ter aula, volta pra ter pela metade. Se não tem condições de funcionar, que deixe em greve”, lamenta a moradora do Vale Dourado.
A redução do horário de aulas é a solução também encontrada pela direção, junto com pais e conselhos escolares, na E. M. Antônio Campos, em Mãe Luiza, e na E. M. Professora Dalva de Oliveira, em Nossa Senhora da Apresentação.
Nesta última, ainda há resíduos na dispensa, mas em quantidade insuficiente para atender as 18 das 50 turmas com cerca de 30 alunos cada, do ensino fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA) que não suspenderam os trabalhos.
“O problema da sobra é que é tão pouco, que teria que privilegiar um turno, ou uma turma e não se sabe por quanto tempo. Então estamos com aulas até às 9h, pela manhã, e às 15h, a tarde”, justifica a vice-diretora Michelline Tavares. A gestora aguarda o depósito dos recursos necessários para a compra dos alimentos.
Alunos precisam levar lanche para a escola
A alternativa para não modificar o tempo normal das aulas, na E. M. Nossa Senhora da Apresentação, no bairro homônimo, embora acordada com os pais de alunos deixa questionamentos sem respostas. Com apenas “alguns” pacotes de biscoitos na cozinha, a direção está orientando os pais a mandarem o lanche das crianças. O impasse é que grande parte dos estudantes é de baixa renda e às vezes se alimenta da merenda escolar.
“Para esses a gente distribui o biscoito. Mas não tem o que beber”, disse a vice-diretora Selma da Silva. “O que não podemos é suspender a aula, se alunos e professores estão aí, acrescenta. Questionada do que fazer quando o produto acabar, Selma repassa a resposta. “Quem pode te responder é a Secretaria, a gente está fazendo o que pode, com o consenso dos pais e conselho”, disse.
Uma solução mais democrática é implantada pela professora Cleide Meire Varela, a divisão do lanche. “Estou incentivando a partilhar e até combinando o que cada um pode trazer”, observa.
O problema recai em uma sigla: PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que ainda não foi repassado a todas as escolas. Das 70 escolas do município, somente 25 receberam a verba do PNAE e entre os 57 Centro de Educação Infantil (Cmei), oito tiveram o depósito efetuado.
Segundo a coordenadora de administração e finanças da SME Adriana Trindade, o atraso no repasse dos recursos se deve ao não comparecimento de alguns diretores à secretaria para regularizar o pedido, que em virtude da greve muitos foram feitos fora do prazo. Há ainda problemas na contas bancárias de algumas escolas, que a direção também precisa regularizar. “Não há nenhum processo pendente aqui, todos que chegam são encaminhados à Control. Mas é necessário a vinda dos diretores para abrirmos processo fazermos empenho. É inadmissível suspender aula por falta de merenda é preciso mais responsabilidade”, conclui.
Terceirizados
Os cerca de 700 funcionários terceirizados – auxiliar de serviços gerais, merendeiros, porteiros e auxiliares de secretaria - da educação estão sem receber o salário do mês de fevereiro. Os trabalhadores obtiveram a informação das empresas locadoras de mão de obra (SS Mão de Obra, Pre-Service e CM3), que estão sem receber o repasse da Prefeitura do Natal, desde o mês de outubro. “Eles aguentaram pagando com recursos próprios mas disseram que não dava mais para pagar. E está todo mundo em situação difícil, com conta atrasada e não tem sequer a quem recorrer, porque não temos mais sindicato”, disse a ASG Margarida Dantas.
A auxiliar de secretaria Elaine Cristina Souza afirma que não tem intenção de paralisar as aulas na Escola em que trabalha, a E. M. Professora Dalva de Oliveira. “Estamos trabalhando na promessa de até sexta-regularizar”, afirma.
Segundo Adriana Trindade o depósito em caráter emergencial, referente ao mês de novembro, será feito até o final da semana. O atraso se deu por limite prudencial.
Categoria espera resposta de recurso
A decisão dos professores em manter a paralisação, inciada no último dia 18, em detrimento da determinação judicial que classificou como abusiva a greve da categoria, foi confirmada nas escolas. Ao contrário do esperado pelo secretário, as aulas continuam suspensas enquanto os professores aguardam uma resposta ao agravo de instrumento impetrado pelo Sinte/RN, na última terça-feira, para recorrer da decisão.
“O movimento se mantém forte, não perdemos espaço. Nem a lamentável medida de repressão, tomada pela Secretaria, em cortar o ponto dos professores, para não pagar no final do mês é suficiente. Estamos aguardando a decisão ao recurso, para podermos nos posicionar”, disse a coordenadora geral do Sinte, Fátima Cardoso. A categoria irá buscar, com apoio de vereadores, uma audiência com a prefeita para discutir as reivindicações.
O secretário Elias Nunes, que esteve em reunião durante toda a manhã de ontem, informou por meio da sua assessoria de imprensa, que está legalmente amparado quanto à decisão do desconto em folha de pagamento de quem faltar às obrigações depois da decretação judicial, na última segunda-feira, pelo Juiz Henrique Baltazar. Informou ainda que enviou ofício para as direções das escolas solicitando o retorno imediato dos professores às atividades e orientando lançar no livro de ponto a ausência dos professores.
Na Escola Municipal João XXIII, no Alecrim, onde a adesão é total, nenhum dos 30 professores compareceram hoje. A decisão da volta, observa a diretora Maria do Socorro de Góes, compete aos professores, por meio do Sindicato. Maria do Carmo afirma ainda que não recebeu oficialmente nenhuma orientação sobre o corte no ponto dos professores e que soube da recomendação da Procuradoria Geral do Município, por meio de reportagem veiculada na televisão.
A orientação de colocar no ponto dos professores o termo greve e não frequência mensal, já está sendo adotada desde o início do movimento, segundo ela, que reafirmou não ter informações sobre descontos, tampouco se desde ontem ou de forma retroativa. “Não houve monitoramento de quem esteve em greve, por parte da SME. E não adianta retomar antes do fim da paralisação”.
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